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Estigma de Hati (Português BR)

A mando de seu pai, Eldred é escolhido para uma missão diplomática nas longínquas Terras do Lago. Em sua ausência, seu irmão Elfrid atende a um chamado pernicioso numa vila distante a nordeste da capital real. As designações transformam-se num caos sem logica quando por descuido Osmund adquire um objeto que não deveria sequer saber da existência. Seu irmão por sua vez, cavalga a mercê das garras amaldiçoadas de uma sombra ancestral. Sem alternativa, são obrigados a receber auxilio dos mais obscuros e sanguinários mercenários do norte distante, os fieis de Hati.

OlmiroHSRosa · Fantasy
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Harpia

Uma garoa perene caia do céu cinzento, umedecendo as verdes colinas. O vento fraco arqueava levemente as torrentes de água. A chuva escureceu a luz laranja do fim da tarde, deixando negra as pastagens da planície de Vermin.

Sangue e carne vertiam dos soldados combatendo com seus machados, fazendo zunir em línguas de fogo ao choque de aço contra aço. De um lado havia uma multidão de capacetes vermelhos, os mercenários de Helem. A tropa inimiga era composta por robustos soldados de gibões azuis com entalhes dourados, a tropa de apoio da cidade da Costa Uivante. Os homens digladiam com seus mantos aderindo-lhes as costas, ensopados de chuva. Uma longa parede de escudos fora formada por ambos os lados, criando sons abafados pelo choque das armas. O confronto se encontrava no ápice. Qualquer passo em falso resultaria em dizimação.

Os Nortumbrios se apertavam um contra os outros e se arremetiam contra os mercenários enlouquecidos, atordoados pela canção rouca que não havia cessado desde que a primeira flecha fora arremessada para os céus. Dando conta do medo irradiando dos homens, os nórdicos urraram em uníssono, numa melodia desconexa.

Não havia tempo para hesitação diante das lâminas a punho forçando as paredes de escudo. Os Nortumbrios se davam conta desse fato tarde demais e a imensa fortaleza de homens começara a ser empurrada em favor dos mercenários. A anarquia permitia somente a excitação fluir, seja por medo de um golpe fatal ou a ânsia de matar. Os nórdicos empurravam seus escudos dotados de uma energia sobrenatural, feito as águas do mar contra um desfiladeiro de pedras.

As cotas de malha, capacetes de couro azulados e escudo ovais se estraçalharam diante da fúria vermelha. A onda de homens quase que colados uns aos outros ora avança, ora retrocede como ondas de carne.

Os mercenários de Helem urrava e se contorcia, mas seus esforços quase foram destruídos pela insistência inimiga não fosse pelos gritos estridentes de um guerreiro colossal berrando atrás da vanguarda palavras inaudíveis. O tom, apesar de baixo, era austero o bastante para passar a mensagem necessária.

- EMPURREM DESGRAÇADOS! EMPURREM!

Como se chicoteados por fogo, pressionaram suas armaduras de couro vermelho contra seus escudos e avançaram numa explosão de força para romper a defesa inimiga.

Incapazes de resistirem à insistência nórdica, uma brecha foi aberta em instantes, feito o rompimento de uma barragem.

Um dilúvio de maças esmaga ossos, cabeças foram abertas como lenha pelos terríveis machados. A paisagem serena da campina, incrustada de margaridas cintilando ao vento, foi maculada pelo embate grotesco. O campo verde danificado numa imundície barrenta criada por veios de sangue ordenhado a pauladas. Pilhas de cadáveres se amontoavam ao chão, esparramados feito folhas secas, enquanto a natureza presenciava inerte a agitação humana, a par do grotesco carnaval da guerra.

Apesar do êxito, os Nortumbrios se recuperaram tão rápido quanto foram debilitados. A parede novamente foi reposta, retornando a batalha para um jogo de atrito, apesar da diminuição drástica de seus números.

Na terceira linha da vanguarda um guerreiro se destacou dos demais em meio à carnificina, dotado de busto fino e braços feitos gravetos. Seus movimentos eram ágeis, desviando de aliados enquanto corria em frenesi na direção da abertura que a pouco havia sido reposta. Sua longa cabeleira ruiva mal cintilava, encharcada de sangue fresco. Os opacos olhos azuis brilhavam atrás do capacete completo feito duas tochas fantasmagóricas. O corpo sutil era recoberto por uma armadura de couro negra, habitual dos sacerdotes da Ordem, ostentando um grande lobo prateado desenhado no peito.

Como se possuído por um demônio, saltou por cima da barreira apoiando os pés nas costas de um companheiro. Seu longo machado de duas faces encontrou a cabeça de um lanceiro, tendo seu crânio estraçalhado e os miolos lançados sobre seus companheiros numa chuva viscosa. Os homens estremeceram ao urro do guerreiro como se diante do despertar de uma fera selvagem hibernada.

Enfeitiçados pelo medo, os braços fraquejavam e não conseguiam erguer as armas a tempo de evitar seu avanço, manuseando o machado numa dança macabra de rodopios e fintas. A cada passo membros eram decepados, couro estraçalhado, carne rasgada como seda. Num piscar de olhos, 6 homens caíram a seus pés.

Os mercenários tomaram parte a seu lado de imediato, esmagando a vanguarda inimiga como uma manada de bois. A retaguarda dos nortumbrios comandada por um austero cavaleiro de armadura reluzente fora destroçada em segundos. O comandante por sua vez, deu as costas e bateu em retirada.

Após a quebra da parede de escudos, o embate terminou tão rápido quanto a chuva passageira que os umedecia a conta gota, restando nada vivo sob a planície além do nórdicos, berrando em honra ao precursor da guerra e da coragem, grandioso deus Tyr.

Enquanto os combatentes ensanguentados clamavam, o guerreiro de longos cabelos vermelhos parou em meio aos corpos, inquieto. O êxtase da batalha passará, restando o cansaço e a dor, privilégio dos vencedores. Imerso em suas reflexões, não se dá conta da aproximação cansada de um homem de feição presunçosa, barba aparada, olhos rápidos; vestindo uma cota de malha e capacete, escondendo sua cabeleira loira encaracolada.

-E então Muriel, foram oito a minha cota –Ofegante, completa- Quantos matou?

O guerreiro leva as mãos ao capacete e o retira devagar, revelando os traços suaves de uma mulher de rosto austero e severo. Seu fino nariz era complementado pela boca pequena, de lábios rosados e sensualizada pungente. As bochechas palidas terminavam num queixo fino ovalado.

-Parei de contar no nono, não que isso seja motivo pra se vangloriar –Responde seriamente.

- Não precisa ser tão amarga, viemos pelo ouro, mas sem esquecer da glória de uma boa vitória.

Muriel leva o machado a camisa ensopada e limpa alguns fragmentos de miolos grudados na lâmina de duas faces.

-Bobagem. Sabe bem que lutar contra camponeses já não me comove.

- Chegamos a uma semana e esse é o segundo grupo que mandam para nós interceptar- o homem leva a mão a sua lança e a limpa no gibão de um cadáver - Não entendo o propósito de esforços tão fúteis da parte desses idiotas.

-São apenas camponeses. Mandaram pra ganhar tempo e diminuir nossos números. Um grande número deve estar se agrupando na cidade, levando em conta seus movimentos.

-Não duvidaria... Mesmo que tenhamos excelentes guerreiros, enfrentar um número grande demais é impossível.

-Sem dúvida o comandante Helem deve ter chegado a essa mesma conclusão, ainda que acho difícil ele levar em consideração a vida de seus homens em vista do ouro que pode ganhar. Não deram tempo sequer de erguermos acampamento na margem do rio, devem estar desesperados para nos atrasar e arranjarem tempo para organizarem reforços. O número mobilizado será o bastante para sermos dizimados antes mesmo de tocarmos os portões da cidade.

A mulher começa a caminhar junto a outros combatentes colina abaixo. Deram um tempo na conversa a fim de se chegarem de uma vez ao acampamento.

-Achei estranho essas investidas, mas nunca pensei que esses saxões fossem ardilosos a esse ponto. - O homem leva as mãos à cabeça, pensativo.

- Estas terras foram tomadas por alguns meses. O rei Eka pode ter dito ser insurgentes da coroa, mas pelo jeito são tropas do sul que aproveitam da fragilidade da fronteira e avançam para o norte.

- Como assim? O brasão azul é definitivamente de Nortumbra, porque pensa não serem insurgentes?

- Meu caro Torfinn, você enxerga muito limitadamente- Muriel leva uma mão a seu ombro -Diga-me, se um membro da ordem colocasse uma armadura de anão e digladiassem junto a um grupo de pequeninos, ele se moveria diferente?

- Obviamente não! Como um guerreiro nascido e criado pela ordem poderia se mover feito um anão de uma hora para outra...

-Exatamente! As armaduras dizem uma coisa, mas a força como se organizaram após a quebra da muralha de escudos não condiz com um homem de Nortumbra. Eles são arrogantes e inescrupulosos, jamais ficariam se cagando e avançariam contra nós até que o último homem estivesse de pé.

Os dois seguem a fileira de guerreiros até o acampamento na margem do rio. Sem cerimônia se sentam ao redor de uma fogueira dentre as muitas preparadas com antecedência e desfrutam de um javali sapecado na brasa. Torfinn abocanha um pernil com uma fúria prodigiosa e questiona Muriel cuspindo pedaços de carne sobre o chão.

- Não faz sentido levar em conta unicamente a forma como reagiram para afirmar que não são cidadãos da Nortumbra.

Apesar da fome que sentia, Muriel saboreava a carne junto a uma caneca de vinho com toda a calma e tranquilidade do mundo, como se a batalha de vida ou morte a pouco fosse apenas uma trivialidade.

- Teria razão - retoma ela - se o comandante não houvesse fugido desesperado ao se dar conta da derrota. Um comandante Nortumbrio jamais fugiria, é prova mais que o bastante!

Torfinn estava prestes a retratar suas afirmações quando foram interrompidos por um soldado robusto, vestindo uma cota de malha que o protegia da cabeça aos pés. Dirigiu a palavra a Muriel.

- O comandante requer sua presença em sua tenda.

Muriel leva a mão a seu machado, desgostosa pelo tom arrogante de suas palavras, mas repensa, uma vez que ali não tinha a mesma influência que em Valak e a recusa seria inutil.

- Espero que o comandante não esteja querendo relaxar a minha companhia, uma vez que eu também me encontro exausta e posso acabar sendo um pouco selvagem sem se dar conta...

O soldado escarnece da resposta torcendo o nariz, se vira e segue em direção a tenda. Muriel fica em seu encalço, dando conta de sua tensão, sentindo dores por seu comandante, feito a esposa de um bardo fanfarreiro.

Serpenteiam grupos de guerreiros ao redor de fogueiras. O soldado parou em frente a uma grande tenda vermelha de longas abas na entrada.

- O comandante a espera.

Sem cerimônias, Muriel adentra o emaranhado de tecidos que escondia o interior de olhares curiosos e se vê no amplo espaço interno. Ao centro, uma mesa de tábuas improvisadas era recoberta inteiramente por um mapa da região, dividindo espaços com dezenas de pergaminhos.

Helem o Vermelho estava de pé analisando uma marcação no mapa, sem se importar com a presença da mulher. A seu lado, apontando para uma cadeia de colinas, Helbert "O imenso" auxiliava o comandante em suas estratagemas. Os dois homens eram robustos e vestiam armaduras de aço reluzente, diferenciadas unicamente pelo brasão de águia desenhado ao peito de Helem.

- Um instante - Helem ainda com o rosto contra o mapa acena para Muriel- Bem aqui Helbert, - Levo o dedo numa marcação - peça para Garm enviar alguns homens para reconhecimento.

- Como queira meu senhor - responde o guerreiro de altura prodigiosa, dando mérito a seu nome de guerra.

- Deixe-nos a sós. - acena para ele.

Helbert sai da tenda no mesmo instante. Seus olhos negros se lançam para o corpo de Muriel sem pestanejar ou se importar com sua feiçao raivosa. Ajeitou o cinturão de couro e sacou do bolso um objeto pequeno.

- A chamei pois recebi uma mensagem da cidade do porto. Um trabalho para a ordem de Hati foi solicitado pelo rei das "Terras Ermas". Os sacerdotes acataram o pedido e enviaram um pombo para despachar você e o resto dos sacerdotes em âmbito de urgência. Parece-me que algum monstro amaldiçoado consumiu uma vila- o comandante leva um pequeno pergaminho nas mãos da mulher- Me dói ter que se desfazer de vocês agora que avançaremos à etapa crítica de nossa missão de reconquistar a cidade, mas fazer o que.

Muriel leva os olhos para o pergaminho.

- Agradeço por sua compreensão. - se curva em reverência - Partiremos imediatamente.

Muriel se vira e sai da tenda, sentindo um amargor na boca pela expressão repugnante pelo qual o comandante a fitava.

- Levantem seu bastardos - Muriel chuta a bunda de Torfinn, que já havia se aconchegado em meio a uma pelagem de ovelha e pregava os olhos.

- Que agressividade! - o homem leva a costas das mãos aos olhos - Tenha certeza de que levantaria mais disposto com um afago nos cabelos em vez disso.

- Não seja ridículo Torfinn. Temos uma missão pela Ordem.

A feição no rosto do homem se acende em deleite, seguida de um sorriso malicioso de prazer.

- Para onde?

- Queria tanto conhecer as planícies das Terras Ermas. Se alegre, vai poder vê-las de perto bebendo vinho e fodendo quantas putas quiser depois que destruirmos um coelhinho travesso. - Muriel dita num tom áspero.

- Um amarelo, vermelho ou preto? - Os olhos de Torfinn reluzem de excitação.

- Definitivamente um preto! Arreie os cavalos e organize as moças, temos alguns dias de cavalgada pela frente.

Torfinn se põe de pé num salto, correndo em meio ao amontoado de homens adormecidos.

A noite se assomava pelos campos, uma brisa gélida cortava as colinas quando o grupo composto por Muriel, Torfinn e mais quatro homens se distanciaram do acampamento às margens do rio. Estavam munidos de suprimentos e uma grande variedade de armas. Muriel carregava às costas seu machado e um grande escudo oval de bronze. Torfinn amarrou sua longa lança no arreio de seu corcel, enquanto os quatro homens que os acompanhavam levavam, cada um, imensas mochila às costas e fechos de espadas.