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Estigma de Hati (Português BR)

A mando de seu pai, Eldred é escolhido para uma missão diplomática nas longínquas Terras do Lago. Em sua ausência, seu irmão Elfrid atende a um chamado pernicioso numa vila distante a nordeste da capital real. As designações transformam-se num caos sem logica quando por descuido Osmund adquire um objeto que não deveria sequer saber da existência. Seu irmão por sua vez, cavalga a mercê das garras amaldiçoadas de uma sombra ancestral. Sem alternativa, são obrigados a receber auxilio dos mais obscuros e sanguinários mercenários do norte distante, os fieis de Hati.

OlmiroHSRosa · Fantasy
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Coruja I

Diário de Osmund Octavius

Quinta, 10 de maio, Ano 418 A.L.E (Após o alinhamento estelar)

Estremeço em recordar aqueles momentos de intensa agonia. Suplico aos deuses que nenhum homem em posse plena de suas faculdades se defronte com tais aberrações que por algum desvio inerente a idade dos galhos de Yggdrasil, produziram tais deformidades antinaturais.

Escrever aquece minha alma e alivia o temor que carrego e tenho feito isso com maior frequência desde que esse turbilhão de eventos súbitos me tragou para um estado de letargia tenebrosa. Desde que o conhecimento tornou minha mente um quarto de tortura em vez dos vastos salões de deleite que cogitava quando garoto, deixei de desfrutar dos hobbies que jamais pensei viver sem. Traga os mais belos poemas de sorriso no rosto, imerso nos contos de homens e mulheres valorosos a ponto de deixar sua marca na história do mundo. Minhas pesquisas em manipulações alquímicas chegará em outro patamar desde que me vi obrigado a utilizar destes saberes para fins tão sórdidos como os quais todos os dias me atenho. Sinto-me enojado consigo mesmo, uma repulsa a minha avida sede de prosseguir.

Imaginar caminhos não trilhados corrói a mente até de ladrões que furtam para não morrer de fome, entretanto, eles se veem livres da culpa ao roncar pungente do estômago vazio. Meu ronco, no entanto, é incessante e perpétuo, exigindo tudo de minha habilidade para investir em mais e mais furtos, até que o bolso que ei de deslizar as mãos me condene à força.

Meu tormento se iniciou da maneira mais despretensiosa possível no dia 1 de maio, devido a certas turbulências entre 23 e 30 de abril.

Os ventos do inverno já se distanciavam e davam lugar à terna primavera, ainda que a neve se via aprumando os telhados e endurecendo as vastas pastagens.

Sou o responsável pelo gabinete de relações públicas- Cargo que passei a gostar, apesar de minha relutância inicial-. Costumo receber todo um número de relatos de comerciantes, camponeses, soldados, nobres, peregrinos e diplomatas de outras províncias. No geral, me atenho a pilhas de documentos sobre conflito fundiários, assassinatos, roubo de jóias, de artes ou objetos mágicos (De cunho majoritariamente duvidoso).

As terras em posse de meu pai são de uma simplicidade e rusticidade herdada por sucessivas gerações de guerreiros bárbaros que se preocupavam mais em empunhar espadas e trepar, do que com suas necessidades diárias, tais como higiene e moradia. Felizmente com o adendo de meu pai ao cargo máximo, após o falecimento de meu avô, crises sanitárias, mortalidade prematura e surgimentos de monstros - próximos às casas, devido a imundície da cidade- passaram a ser problemas incomuns.

Apesar da evolução desses aspectos, o povo continua a ser tão simples quanto sempre foi, e de tal forma, os dissabores entre indivíduos ocorrem com frequência cada vez maior, inundando minha escrivaninha.

Todavia, vez ou outra alguma ocorrência mórbida chega até minhas mãos; quase sempre por Amelia, minha secretária, posta no cargo puramente por seu ceticismo irremediável a quaisquer crenças absurdas, exceto aquelas ao alcance dos olhos. Quase sempre essas anormalidades acometem cidadãos dos vilarejos mais longínquos e próximos à fronteira norte, onde cemitérios antigos e cavernas profundas ainda escondem seus segredos profanos de outrora.

O pedido escrito num estilo rústico e desordenado vinha do vilarejo Nordeste, o mais próximo da fronteira com as Terras Fofas. Na carta, o superintendente responsável relatava o sumiço de animais no entorno dos Montes da Cascata. Athelwine, um pastor que usa com frequência as pastagens no sopé dos montes, relatou o desaparecimento de 4 vacas e 6 carneiros. O próprio homem e seus filhos fizeram uma longa e minuciosa busca em todo o entorno, e encontraram pegadas enormes, indiscutivelmente diferentes das de lobos, ursos ou qualquer predador conhecido, mas que carregavam certa semelhança com a de Cães Negros, habitantes da Floresta Sem Fim. Além disso, a velha Ethelind jurou ter presenciado no amanhecer do mesmo dia - quando casualmente se senta todo dia em sua área externa a fim de vislumbrar o raiar do dia - um vulto indistinto e flexível de tamanho de um homem e comprimento de dois, se esgueirando pelos pinheiros desfolhados e sumindo pela escuridão numa rapidez sobrenatural.

Minha secretária, como de praxe, gargalhou fervorosamente quando me dispus a ler a carta, convicta de que mais uma das lendas inescrupulosas dos camponeses ignorantes - salvo que a meus olhos ela não estava numa posição tão alta para julgar - havia logrado a forma de um ladrão astuto que roubara as vacas e inscitou os habitantes a crer que se tratava de alguma besta do extremo norte, quando sabidamente nenhuma se aventura para o sul fazia décadas.

Eu, no entanto, permaneci calado e atônito, incomodado pelo desenho detalhado que fora feito num papel adjacente pelo superintendente, o qual detinha os aspectos da pegada encontrada. Era um buraco de aproximadamente 40 centímetros de comprimento por 20 de largura. Os longos e finos sulcos remetiam a dedos alongados conectados a uma palma de formato singular -que vulgarmente remetia a uma palma humana- acabados em profundos buracos na extremidade dos dedos, indicando garras enormes ou uma certa dificuldade de locomoção no barro úmido.

Normalmente não teria minha energia concentrada em casos vagos e de cunho duvidoso, reiterando, é claro, que jamais ignoraria um apelo dos cidadãos, desmerecendo meu cargo. Era comum tais insinuações sem qualquer crime evidente serem um total desperdício de empenho dos investigadores da igreja, atrapalhando uma possível ocorrência concreta de maior urgência.

Não nego que senti-me estranhamente incitado a dar cabo na investigação, mas retornei a normalidade pelas afirmações escrachadas de Amelia, enaltecidas por seus longos lábios carnudos e seus olhos verdes penetrantes, completamente desperdiçados num rosto irregular, abarrotado de sardas e engrandecidos pelo cabelo, que facilmente permaneceria a par em beleza à crina dos cavalos.

Na aproximação do meio dia, Amelia trouxe-me um prato vultoso de cordeiro, vagens e pão. Devorei com furor e retornei à minha busca impiedosa até encontrar os papéis que haviam se perdido entre a pilha de documentos. Ensandecido, saí do meu escritório e me dirigi ao salão de espera do andar inferior.

Peguei novamente vislumbrando o trabalho meticuloso dos marceneiros do sul nos entalhes belíssimos de runas das cadeiras e mesas adquiridas no outono, dando jus ao preço exorbitante que fora pago. Apesar da beleza, penso que tamanha quantia em prata deveria ter sido usada para construir um prédio de pedra para comportar documentos de suma importância, em vez daquele absorto entrave em madeira grotesca que compunha a construção.

Logrei para a movimentada e euforia rua em passos rítmicos, enquanto para mim mesmo que já tinha problemas demais para tratar.

O dia estava ensolarado e ávido, os pardais cantavam nas ameias das casas, acima do fervoroso ir e vir de comerciantes de legumes, embutidos secos e animais vivos. As ruas da pacata capital onde cresci não havia mudado nada no decorrer dos 6 anos que estive ausente, exceto a prefeitura que passará por reformas e o sistema de esgotos que fora construído, tristemente em âmbito tardio, uma vez que a epidemia já havia dizimado um quarto dos cidadãos. As construções de toras, as ruas de chão batido esburacadas, dividindo espaços a amplos salões de granitos pomposos da rua principal. O mais recente templo do Deus Branco Belobog, o banco dos duendes e uma grandiosa loja de finos tecidos administrado por uma meia-elfa pela qual mantinha o estabelecimento cheio quase que totalmente por seu encanto ao invés da qualidade dos produtos.

Enfrentei certa dificuldade no contorno da praça central, pois um grupo de cidadãos se aglomeravam ao redor de um homem de vestes azuis e feição surrada. Gritava uma voz altiva e rouca balbucios incoerentes, que imaginei prover de um dos inúmeros andarilhos propagadores de antigas profecias esquecidas. No entanto, a urgência de chegar ao meu destino ofusca o entendimento de suas insinuações.

Passado as longas fileiras de barracas da feira livre, me detive a frente a um prédio pomposo, de fachada em carvalho entalhado com letras douradas em alto relevo: "Toca do Coelho". Sempre achei uma escolha de nome um tanto controversa para um estabelecimento de alto padrão, mas em vista da segurança ignota que uma toca de coelho desfruta, repensei esse princípio.

A jovem dama da recepção me saudou com uma sutil reverencia e segui pelo corredor principal, que se estendia logo além da entrada. O interior era polido com afinco invejável, quadros adornavam as paredes do longo corredor, tapetes se entremeiam ao longo de todo o piso e o teto dispunha de luminárias exuberantes.

Parei a porta de número 12 e bati com sutileza.

Sem demora, a mulher que tem perturbado meu consciente e subconsciente levou a mão a maçaneta e escancarou a porta de mogno, feito uma Valkyria saudando pela última vez os honrosos guerreiros abatidos.

Minhas visitas foram frequentes nas últimas semanas e desfrutei de longas horas para me ater aquela mulher. Ainda sim, uma vez mais parei feito um tronco caído, inerte, analisando cada detalhe seu.

Os longos traços retilíneos das sobrancelhas, guardando os imensos e calorosos olhos púrpuras feito duas esmeraldas, devoravam meus receios. Os lábios finos e volumosos de um brilho e maciez sobrenatural abalaram minhas faculdades ao recitar uma frase de saudação eloquente, pela qual não me lembraria nem que me esforçasse. A pele branca lustrosa feito as águas subterrâneas da cordilheira impassível eriçaram minha própria num contraste magnético. O negro cabelo liso, desaguando por seus ombros, derretidos acima de seios volumosos, cintura fina e pernas torneadas, saudaram meus instintos masculinos forte quanto uma paulada.

Refleti atônito em meus aposentos na noite anterior, que somente havia presenciado tamanha distinção nas esculturas surreais do grande Aelfwine, que adornam os salões do grande museu da universidade de Elendil. Delicadas e minuciosas a ponto de pintas sutis serem facilmente reconhecidas no granito puro.

Como sempre, Mildrith aguardou meu deslocamento do plano material com grandiosa paciência, talvez por respeito a minha posição e apreço pela amizade que construímos ou por puro deleite de minha fascinação exacerbada.

-O que o traz aqui hoje Osmund?

-Perdoe-me a indelicadeza uma vez mais. Trouxe comigo o restante dos registros que estavam perdidos na minha prateleira. Queria me desculpar pela demora, tenho reforçado a organização minuciosa, mas ainda acontece de um ou outro se extraviar.

Seus grandes olhos mediram-me e replicou:

-Naturalmente! Entre e sente-se comigo.

Entrei no espaçoso cômodo, seguindo minha anfitriã e me sentei ao sofá, dispondo os papéis na pequena mesa. Ela os leu com afinco e erudição, e logo os arremessou sobre a mesa junto a um suspiro profundo e desanimado.

- Algo ainda está nebuloso! Esses episódios começaram já faz três semanas sem relação alguma entre os acometidos além dos próprios sonhos incoerentes. Lamento lhe dizer, mas esses papéis não me agregam em nada.

Passei os olhos nos documentos numa tentativa fútil de me ater a algum detalhe despercebido.

-Os episódios iniciaram-se do dia 23 a 30 de abril. Jovens de mentalidade, porte físico e saúde impecáveis foram acometidos de sonhos desconexos e desconcertantes. As visões eram idênticas em quase todos os aspectos. Vagavam em meio a salões de pedras descomunais numa noite cinzenta, de estrelas tingidas de sangue. Seguem por uma rua de granito e param numa interseção do caminho, em frente a um alçapão colossal que treme e range na aproximação dos transeuntes. Os sonhos são idênticos e sempre acabam no alçapão. - Parei por um instante e analisei cada detalhe, até que dispõe minha opinião - Se pensarmos de maneira objetiva pode ser uma premonição de algum evento imaterial, como o despertar de algum espírito...

A mulher leva as mãos sobre os joelhos num gesto sutil, olhando para o vazio. Leva as mãos a uma pequena xícara de chá, a degustando imersa em pensamentos. De repente, movida por uma impaciência ou um desgosto velado, retoma o assunto.

-Múltiplos delírios são eventos extremamente raros e sensíveis, muito mais do que parecem. Podem ser Sluaghs, um filho de Carman, ou até uma própria, oque seria tão improvável quanto alarmante. Apesar de tudo, nenhum ser incorpóreo tem consciência o bastante para invadir o subconsciente de mortais com visões objetivas. O mais provável seria o dedo de um conhecedor das artes místicas.

-É possível! Até levei essa hipótese como majoritária a princípio, mas quem se beneficiaria com algo tão absurdo?

-Meu querido - A feiticeira lhe lança um olhar enigmático - presenciei planos mais absurdos servirem a propósitos tão nefastos que lhe gelaria o sangue. Por enquanto, não há necessidade de alarme. Se for realmente um espírito, falta muito para que possa vagar livre pelo mundo a plenos poderes, e caso estivermos diante de um complô perpetuado por mãos mortais, se revelará feito um reflexo em meus espelhos. Peço-lhe, portanto, que deixe tudo em minhas mãos, tratarei de levar esse assunto a cabo.

Tive receio em concordar com Mildryth, mas como poderia me opor a opinião de uma feiticeira amplamente conceituada? Viajou por dias desde a torre sacra do Império Velor até o pequeno e humilde recanto que chamo de lar! Seria um tolo ignorante se duvidar sequer por um momento de suas conjecturas.

Senti-me estranhamente abatido por me abster da companhia diária daquela mulher de feições desconcertantes e intelecto assídua, mas não havia nada que pudesse fazer.

-Deixarei tudo em suas abençoadas mãos madame Mildryth. Espero que possa ter lhe auxiliado nessa empreitada e tenho fé que solucionará o problema com maestria. -Me levantei, sentindo a viscosa amargura assomando o paladar- Se necessitar de qualquer auxílio, o mais fútil que for, estarei a sua disposição a qualquer hora, dia ou ocasião.

-Obrigado Osmund, não deixarei de lhe rogar se a ocasião surgir.

Cumprimentei a doce mulher e me dirigi receoso em direção a porta, sem sequer olhar para trás, a fim de evitar qualquer pensamento espontâneo para permanecer a seu lado por mais algumas horas.

No impulso do momento, cumprimentei novamente a recepcionista, que liberou um sorriso suave por seus lábios ao se dar conta de meu desconcerto.

Ao sair para a movimentada rua principal, meu dia assomou mais um desgosto ao dar de encontro ao Bispo Petrus. Sua calvície avançada, aliada a feição séria e pele rugosa lhe conferia um rosto inconfundível, mesmo que não estivesse vestindo seu longo manto cinzento e carregando uma corrente de proporções exageradas ao pescoço.

-Senhor Osmund, que prazer lhe encontrar em momento tão oportuno, me dirigia a seu gabinete neste instante a fim de lhe ter a palavra. -Se deteve um momento, passando os olhos ao prédio que havia saído- Pode parecer rude de minha parte, mas como Bispo delegado da Ordem Branca devo lhe alertar dos perigos que a companhia de feiticeiros atribui. Seria difícil que essa criatura tivesse algum mal a alguém de títulos como o senhor, mas são sórdidos a ponto de usar truques ardilosos para manipular a mente e levar ao caminho turbulento o mais integro dos homens.

Detive meu desgosto completo por suas palavras atrás de um sorriso rígido e segui em direção a prefeitura com a mais amargurada companhia de um intelectual, um fanático religioso.

Ao contornar a praça, parei junto ao aglomerado de cidadãos que para minha grata surpresa ainda se amontoavam ao redor do erudito surrado. Normalmente não escutaria as baboseiras de mendigos que berram por alguns trocados, mas supus que ouvir outro fanático faria o bispo se sentir tão enojado quanto estava.

Como suspeitei, a feição truncada de Petrus ganhou uma vermelhidão raivosa ao ouvir meia dúzia de palavras do homem. Se raiva e desprezo fossem o ingrediente principal para algum veneno, a feição do Bispo produziria uma dose forte o bastante para exterminar uma cidade.

Entre o barulho estridente do ir e vir de carroças, a gritaria desesperada dos vendedores de porcos e galinhas numa tentativa fútil de ganhar de seus concorrentes no grito, o erudito galgava suas palavras com destreza:

-... Saibam que o que lhes digo nenhum sábio há de dizer, ou ter a coragem necessária. É sabido que o país vizinho está um completo caos. As histórias contadas por nossos avós falavam do grande povo selvagem que governa com mãos de ferro a pouco mais de um século, mas nem de longe a situação que os menos providos, como vocês que me escutam - aponta para os humildes camponeses que arregalaram os olhos, emotivos pelo fervoroso discurso - possa hoje ser comparada aos tempos turbulentos do passado. Havia estabilidade, um exército forte e feiticeiros que cortavam as cabeças para o rei daquela terra grandiosa e até lambiam suas bolas se lhes fosse ordenado. E oque temos hoje? Um rei cagão, servido por servos inescrupulosos e nobres cada dia mais ambiciosos. O reino não tardará a ruir num conflito de proporções catastróficas. Essas certezas absolutas podem nos assustar, mas afirmo com convicção que será o menor das provações que o povo íntegro do oeste passará, pois a raça selvagem que um dia governou os campos e montanhas, datada como extinta após o maior dos ultrajes desde a monogamia, voltara a marchar com seus sombrios exércitos, elevando seus estandartes até as nuvens do céu. Escutem oque digo, pois a hora se aproxima, os corvos migram, os lobos choram e as bestas grunhem. Não restará pedra sobre pedra quando as fileiras negras dizimarem os traidores e batizarem a terra com sangue...

-Tolices e mais tolices! Fosse em minha cidade natal este homem já estaria pendurado na forca. Como podem os cidadãos darem ouvido para tamanha tolice?

Acabei obrigado a esconder minha vontade de gargalhar, me detendo ao dar conta da fúria que emanava dos olhos de Petrus. Infelizmente para meu deleite, meu pai aceitou seus dogmas e foi enfático para que eu respeitasse as conjecturas de seus dogmas. Me contentei em responder sem muita pretensão, apesar de não ter escapado da mira de sua amargura.

-Felizmente para o homem, temos leis brandas para com moribundos!

Não preciso dizer que seguimos por todo o caminho num silêncio absoluto.

Desimpedidos por conversas ao acaso chegamos ao prédio de relações públicas. No amplo salão da recepção, Amelia me aguardava com grande apreensão e compreendi de imediato que fora ela que convocará o Bispo.

Contive meu impulso de tirar a limpo a razão que a fez se adiantar e fazer tal convocação sem antes me consultar e me sentei em minha poltrona.

- Estava lhe esperando meu senhor- uma brancura cadavérica se apossar dela - Fui obrigada a chamar o Bispo pois este é um assunto de extrema urgência que se apresentou a algumas horas, logo após sua saída.

- Se é urgente, então não tarde a nos explicar. Por coincidência encontrei o Bispo no caminho.

- Por Tyr! Perdoe-me por não ter cumprimentado o Bispo Petrus...

O bispo conteve a sordidez com um passe de mágica e já estava dando seus sorrisos cínicos uma vez mais.

- Não há oque perdoar madame, queira inteirar Osmund deste assunto antes de qualquer coisa.

- Recebi um comunicado do vilarejo Monte da Cascata ao qual fora comunicado as pegadas e o sumiço de animais pelo superintendente - Leva os dedos a boca e os beija - Queiram os deuses me perdoar por minhas palavras despretensiosas. O pastor Ethelwine desapareceu a dois dias e seus dois filhos foram encontrados estraçalhados em cima de suas camas por besta, aparentemente a mesma das pegadas. Foi pedido intervenção do senhor para mandar alguém qualificado para caçar a fera. Diante disso, imediatamente informei o Bispo.

Suspirei, sentindo antecipadamente toda a fadiga e tensão que me acometeu nos próximos dias, diante de todo trabalho que me daria.

- Estava pensando o que seria para que agisse por conta própria. Tenha certeza de que a compensarei pela disposição, apesar de sua insolência- Virou-se para o Bispo - O'Que o senhor pode fazer por nós?

- Antes de sair do templo mandei Procopio, Belisario e Lupicina se equiparem. São os indivíduos mais qualificados para esta tarefa. A essa hora devem estar chegando.

Deixei de lado todo o rancor que guardava do homem e o reverenciei - por incrível que me pareça pensando neste momento - com sinceridade.

- Tenha certeza de que o templo será recompensado de acordo com Petrus!

- Não será necessário. Auxiliar em momentos de necessidade não é nada mais que nossa obrigação delegada no tratado a qual estamos sujeitos.

- Me equiparei de acordo e os acompanharei. Traga-me a armadura Amélia, e depressa.