webnovel

002 - Círculo Perfeito

Do outro lado da cidade, em um subúrbio no bairro de Itaquera, um sedan preto se aproximava de um acampamento de sem-teto. 

O carro acelerava silenciosamente por cima da pequena ponte que cruzava o córrego, estacionando alguns metros adiante, em frente a uma calçada com escada que descia até a beira do riacho poluído.

O motorista desceu rapidamente do carro, movendo-se com agilidade até a porta traseira e abrindo-a com um baque. De dentro, um senhor de aparência idosa emergiu. Vestindo um sobretudo bege e apoiando-se em uma bengala, seus cabelos grisalhos estavam impecavelmente penteados para o lado.

Do lado oposto do veículo, desceram mais dois homens vestindo trajes idênticos ao do motorista: terno e sapatos sociais. Seus cortes de cabelo precisos e gestos coordenados pareciam seguir um padrão.

Descendo as escadas em direção ao córrego, começaram a inspecionar as barracas improvisadas que pontilhavam o local. Algumas eram elaboradas, quase se assemelhando a pequenas casas, enquanto outras mal passavam de amontoados de lixo cobertos por panos.

Logo atrás deles, o mais velho também descia. Parecia observar tudo com olhos de águia, enquanto se apoiava em sua bengala.

"O pessoal foi pegar comida de graça."

Uma voz surgiu de dentro de uma das barracas mais bem construídas, feita de madeira robusta e coberta com um lençol na entrada. O teto era feito de trapos e telha antiga. De dentro da barraca, aparecendo entre os pedaços de tecido, um homem surgiu. 

Sua barba estava encardida, mostrando resquícios da cor branca que um dia teve. Ela chegava até seu peito, e lhe dava um ar de sábio mesmo que estivesse vestindo um moletom velho com colete. Abaixo da touca marrom que usava na cabeça, tinha um cabelo igualmente branco e sujo. Trazia dúvida em seu olhar.

"O que vocês querem? A gente só tem aqui para viver." Continuou o sem-teto, colocando metade de seu corpo para fora da barraca. "E não pretendemos sair."

Enquanto saia de sua barraca o velho fitou o senhor de bengala, e ao trocar olhares com ele um vislumbre parece ter passado pela sua mente, como se ele reconhecesse o homem de algum lugar.

Um dos homens de terno interveio, colocando-se entre eles dois.

"Não se preocupe. Não viemos despejá-los." Disse, enquanto procurava algo no bolso interno de seu paletó. "Vou me apresentar..."

"Não ligo para quem são," cortou o velho, em tom mordaz. "Saiam daqui!"

O senhor de bengala lançou um olhar feroz ao sem-teto.

"Estamos procurando um jovem, ele deve ter em torno de vinte anos." O agente continuou, ignorando a resistência do homem à sua frente. "Quero que veja isto."

Ao retirar a mão do bolso de seu paletó, o agente mostrou ao velho uma fotografia. Ao prestar atenção na imagem, podia-se ver o braço de um recém nascido, onde na palma da mão havia um círculo perfeito que parecia ter sido colocado embaixo da pele.

Era como a aréola de um anjo.

"Ele tem uma marca em forma de círculo na palma da mão esquerda. Esta foto é de três dias após seu nascimento..." Ele segurava a foto com firmeza. "O senhor já o viu por aí?"

O velho afastou a foto com uma das mãos.

"Não sei de nada."

E virou-se para partir, subindo as escadas do córrego sem pressa e desaparecendo após atravessar a ponte. Os homens recém-chegados apenas observaram enquanto o sem-teto se afastava do acampamento.

"Vamos até o próximo acampamento." Bufou um dos agentes.

"Certo," respondeu o velho de bengala. "Mas você fica. Não adianta investigar sem os moradores aqui."

"Mas..." O homem pareceu ponderar suas palavras cuidadosamente. "E se ele já estiver morto?"

"Impossível." Respondeu o senhor quase imediatamente, cerrando os olhos e baixando a cabeça. "Ele é um demônio, não morre nem que o matem."

Ele ergueu os olhos e encarou seus dois subordinados.

"Além disso, precisamos dele vivo."