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Lua Prateada

Um espectador? Talvez Aylin, ou como seus amigos próximos o chamam, Aylie, seja apenas um espectador. Enquanto viveu, acompanhou e marcou seu nome na história. Durante a campanha dos humanos contra os demônios, fora testemunha de uma falsa lógica de moral e ética. Na música, sentia paz. Nas lutas, o calor. Em meio ao amor, liberdade. Na dor, tornou-se forte. No ódio, a indignação. Nunca quis nada disso. Queria entender a si mesmo. Essa é a história de um jovem em busca do autoconhecimento.

Aylllie · Fantasy
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O Garoto Encontrado Na Beira Do Rio

O Sábio Ancestral, encontrado em uma vila simples, fora abandonado à própria sorte logo após o nascimento. Aos dezoito, caminhou buscando o sentido da vida. Completando trinta e dois, localizou a terra inóspita e a transformou em santa. Quando completou cinquenta e nove, viu a semelhança da beleza e da morte. No seu aniversário de cem anos, espalhou a fé de Noomá e Seth, Suroh e Sibaun, pelos quatro cantos do Continente de Vanaheim.

— Bibliografia da História da Magia, escrita por Leon Sarin, da Casa Sarin de Valingrado do Norte.

****

Décimo Terceiro Mês do Ano 1317 da Era dos Reinos Combatentes

***

Após vinte anos de pescaria na fronteira da Baía do Luar, a semana anterior à Illuminus Luna passou sem agitação. Os peixes eram o único caos, iniciando um frenesi em direção a isca improvisada. Como formigas em direção ao açúcar, disputavam avidamente aquelas minhocas. O velho cego ficara feliz ao escutar toda a agitação do cardume, exibindo um sorriso torpe.

Não obstante[1], nessa semana, a pescaria e seu humor tomaram o rumo contrário. As chuvas do Illuminus Luna perturbaram a calmaria do rio, então, o velho cego não conseguiu ter um bom lucro na pescaria. Incomodado, sentira uma vontade edaz incomodando-o.

Estava irritado.

O frio era incomum. Nas últimas décadas, nunca a temperatura caíra tanto quanto nesta noite de lua cheia. Não o incomodava o frio em si; era a sensação de ser "tocado" por esse clima, que o inundara, afogando-o em uma estranha melancolia.

Sentiu as gotas da chuva tocando sua pele, os rios agitados, e escutou o canto das cigarras. A sonância trazida pela chuva o remeteu aos tempos passados, inundados em glórias e desgraças. Aprofundou-se em pensamentos, chegando a esquecer o que viera fazer do lado de fora da cabana.

Desde o abandono familiar em tenra idade – ou melhor, fuga de casa – até quando encontrou sua mestra e partiu com ela pelo mundo. As aventuras dentro das Ruínas do Imperador Luna da Escritura Celestial, ou dentro do Porto do Tigre Branco. Talvez, até o caos na Catedral Sagrada de Noomá, ao pensar agora, tenha sido um acontecimento interessante.

Tudo foi passageiro e insignificante no mundo.

O tempo caminhou a passos curtos - para ele, foi rápido demais. Vislumbrando o caminhar da vida, diversas coisas perderam o sentido. O tempo as levara impiedosamente. No entanto, entre memórias, algumas nunca iriam se esvair. Ainda recordara de seu fiel acompanhante, dos seus irmãos de guerra e, principalmente, de sua mestra.

Uma vez, teve um lobo. Era seus olhos e grande companheiro de vida e morte. De nome Lancelot, agia como o completo oposto das lendas sobre o exímio guerreiro. Escondia-se com o rabo entre as pernas sempre que escutava o barulho do trotar dos cavalos, ou relampejar das tortuosas guerras.

O lobo partiu há alguns anos, porém, as memórias de todo tempo juntos o afetava continuamente, junto com a dor de cabeça por beber demais. A melancolia o tomou, deixando-o cabisbaixo e frágil, uma imagem totalmente contrária à sua fisionomia.

Era alto, considerado um gigante desde pequeno. Muitas vezes fora comparado com uma sequoia entre seus pares. Exibia feições simples e músculos bem desenvolvidos, destacados pela fina túnica branca, encharcada pela chuva. De tão curvado, a penumbra das lâmpadas suspensas atuaria como conforto as dificuldades que sofreria se estivesse em Notre-Dame.

Cambaleando, o velho cego seguia refletindo sobre o passado. Escorando por diversas vezes nos enormes bambus, destruiu alguns no processo. Cada movimento continha cada vez mais rigidez, e a dor de cabeça piorava a cada instante, junto a ferimentos leves causados pelas quedas.

"Essa maldita dor de cabeça..." Inconformado, chutou uma pedra, apenas para tropeçar e cair mais uma vez. — Ugh! Caralho! — Resmungou, com o humor cada vez pior.

Os trovões estreitaram o caminho. Diversos buracos foram criados por causa do impacto, ocasionando na aparição de diversas poças de água. Mesmo a passos lentos, caiu algumas vezes. Sem equilíbrio nos passos, berrou ofensas aos céus por horas sem cansar.

Tateou ao redor, procurando um lugar para pescar. Nenhum dos efeitos colaterais da Illuminus Luna o importava; não poderia importar – Ainda havia de se alimentar. Se comesse apenas arroz mais uma vez, não seria o bastante. A morte o tocaria da maneira mais comum e, ao mesmo tempo, de maneira idiota para alguém como ele. Ou, a morte poderia ser o melhor caminho. Esse pensamento era constante.

— Ontem, a pesca foi terrível! — Exclamou o velho, sua voz ressoando como um violino desafinado. — Será que consigo algo hoje?

Pegando uma cabaça cheia de álcool, tomou um grande gole enquanto divagava. As expressões faciais mudam como os ares da vida, deixando a mente seguir fluindo para a época em que tinha sua mestra ao lado. Talvez não fosse merecedor de nada; nem do passado visto, ou de um futuro duvidoso.

O sonho terminou, e a solidão o acompanhava.

De tempos em tempos, seu corpo tremia. Parecia que uma leve brisa o levaria com a mesma facilidade que um pedaço de pano. Seu corpo era forte – a falta de perspectiva futura o deixara ranzinza. A má vontade era acompanhada da rigidez com a qual fora tratado na segunda metade da vida.

"Algo vai acontecer hoje". Pensou, inconformado. "Odeio chuva."

Era o décimo primeiro dia da Illuminus Luna e as tempestades ficavam cada vez mais fortes. O solo tinha amolecido e a lama preenchia os cantos mais isolados. O céu exibia um belo luar e estrelas anormalmente reluzentes. Reluzente demais para seu humor; e a chuva ainda caía. Respirou fundo. Diminuiu a velocidade dos passos – ainda sentiu certa dificuldade para se equilibrar.

Cansado, irritado, e amaldiçoando o mundo, o tic e tac do destino batiam na porta, de tempos em tempos, querendo entregá-lo o tão indeciso beijo da morte. As rugas ganharam um indesejado espaço, envelhecendo-o ainda mais. O velho cego pesava menos que um saco de folhas, mesmo sendo tão alto quanto uma sequoia, o deixando com uma aparência ainda mais fraca.

Alguns dizem que passou dos cem anos; outros, insistem que o desgaste o faz parecer velho. No fim, ninguém sabia exatamente quantos anos o velho cego tinha – nem ele mesmo lembrava do número exato. Há muito tempo deixara de contar as repetições dos treze meses.

Respirou pesadamente, escutando as reclamações de seu estômago. Precisava capturar alguma coisa, mas, tinha apenas os frutos do mar como opção. Há muito tempo, esse era o resumo de sua alimentação. Meses? Anos? Perdera a noção – não se importava.

Continuou tateando. Conhecia bem o lugar, seja sentindo-se sujo ao encostar na lama, ou pelo cheiro de terra molhada e grama, que permeia o lugar desde que chegou. Decidiu subir no topo da colina, mesmo achando que parecia uma má ideia. Apontou a vara de pescar para frente e a usou de bengala, em uma tentativa de situar-se para não cair novamente.

Falhou miseravelmente.

Antes de chegar até a colina, caiu seis vezes. Entre tropeços e ter seus pés afundados em poças aleatórias, os machucados aumentaram consideravelmente. Não se revoltou, ou sequer mudou a expressão. Sabia que poderia evitar todos estes problemas se usasse magia – Se recusava, não podendo culpar ninguém além de si mesmo.

Era a magia dela; como ele poderia ser digno? Não havendo nenhuma situação emergencial, não usaria magia torpemente.

"Culpa… essa deve ser a única palavra que se adequa a mim." Ironizou, rindo de si mesmo. O tempo ceifou os dias sem pena. Gritou, soando inexplicavelmente triste.

A raiva tornava-se melancolia. Um processo que repetia todos os dias durante vinte anos. A cada passo, pensava: "Onde está aquela vitória prometida dentro da profecia?". A cada segundo, parecia mais velho - e cansado.

Agachou, pegando uma pequena pedra aleatória. Depois de brincar um pouco ao jogá-la para o alto algumas vezes, arremessou-a no rio, atento a cada som. A pedra ricocheteou nove vezes antes de ser engolida pela raiva das águas.

Ele entendeu - e mais uma vez amaldiçoou os céus. Porém, desta vez, ficou com uma pulga atrás da orelha. "O clima… é estranho…".

As águas do rio estavam iguais aos últimos dias - talvez, mais poderosas ainda. Aquela mesma impressão de que algo importante ocorreria crescia no mesmo ritmo das forças da natureza.

— Queria que fosse efeito do álcool. — Aumentando o tom de voz, seu monólogo era um protesto contra a vida. — Por que os céus não podem deixar esse velho aproveitar a aposentadoria em paz? Não peço muito, apenas meu álcool e uma pescaria calma! Tomaram-me tudo! Deixem-me os peixes!

O velho cego ficou resmungando e bebendo até o álcool. Quando acabou, seu humor piorou além do possível. Agachou, bateu a cabaça três vezes no chão e se levantou. A cabaça estava cheia novamente – o álcool tinha com um gosto diferente.

Era amargo.

"Definitivamente é um mal sinal". Suspirou em contemplação. A chuva do dia anterior o deixou ensopado até o último fio de cabelo, e agora, quase destruiu a pequena cabana onde morava.

"O bambu é resistente. Deve durar essa Illuminus Luna".

Quando a isca ficou pronta no anzol, cambaleou algumas vezes para trás e para frente, sempre parecendo que iria cair. O fio da vara de pescar alcançou o rio, mas, não seguiu o ritmo furioso das águas e da chuva. A calmaria presente no velho – apesar de seus resmungos e reclamações – contrastava completamente com o ambiente terrífico e com seus próprios sentimentos conflitantes.

A melancolia com a qual estava tão familiarizado o deixara estabilizado. Era como se encontrasse a paz dentro do olho do furacão – uma falsa paz. Era trágico. Uma vida baseada em uma tragicomédia aos risos dos Deuses. Ao toque dos ventos e das chuvas, pôde sentir a ironia e o deboche do tão adorado Deus Noomá.

Do contrário, que motivo haveria de existir para tanta tragédia?

Não importa. Pensou um pouco sobre o tempo. Cansou. Não havia maneira de saber o dia e a noite, este tipo de noção desapareceu. O tempo continuava implacavelmente. O velho cego parara de cambalear incontáveis horas atrás. Mesmo refletindo, não tinha ideia de quantos dias se passara – de qualquer jeito, não era importante e estava irritado em demasia para considerar algo.

"Quantos dias foram? A Illuminus Luna deveria ter terminado." Pensou, preocupado. "Talvez devesse ir para Porto Real no Oeste ou para as terras áridas do Norte? Ou até mesmo para o Sul?" Divagou por um instante antes de balançar a cabeça em sinal de negação, voltando a si. "Vou ficar aqui mesmo. Pode chover, pelo menos, tenho paz."

Em nenhum momento o frio parecia o incomodar. Desde que parou de cambalear, a presença e postura exibida era semelhante a estátua de buda na Fronteira Continental.

Até a raiva e mal humor, expressados tão claramente, desapareceram. A premonição ficara incontrolável, deixando-o tão firme quanto no passado.

Algo prendera no anzol, o dando alguma expectativa. — Finalmente alguma coisa! — exclamou, sentindo o tremor nas mãos. — É meio leve, mas, deve dar para comer com arroz. — Por um momento, nada mais importava.

Abrindo os olhos, revelara uma expressão séria junto a um par de íris cinzenta e opaca. Foi um velho costume. Mesmo não enxergando, agiu reflexivamente. A empolgação desapareceu em segundos. Um brilho cinzento apareceu abaixo de seus pés. Firmando-se na colina, as vibrações que liberava causavam rachaduras no terreno ao redor. "Isso é muito bizarro" pensou, curioso, ao perceber que não era um peixe.

Jogou a melancolia para fora, junto a irritação e a fome. Tudo que restara era um velho médico – uma sombra deplorável do que fora no passado.

Pondo força nos braços, trouxe o fio da vara de pescar para cima. "Ok. Agora resta saber de onde é.". Pensou, não estranhando a situação. Quando o fio chegou, trouxe consigo uma cesta de bambu com algo enrolado em um cobertor; era um recém-nascido.

"O frio vai prejudicar ainda mais esse pequeno corpo". Refletiu com calma. "Como ele veio parar aqui? Será que o jogaram da Baía do Luar?". Estava curioso, pois, não havia maneira fácil para alguém chegar pela Baía do Luar, conhecida por ser dividida em dois lugares principais: Colina do Suicídio e Mar de Sangue.

"Se os pais dessa criança têm o poder para circular pela Baía, por que jogá-lo pelo rio? Apenas sorte ele não ter morrido." Idealizou a situação por um momento antes de ignorar totalmente.

"No fim, nada disso importa. Não é a primeira nem a última vez que uma criança renegada é encontrada no rio" Apesar de curioso, não passava desse ponto. Com o passar dos anos, inevitavelmente deixou de se preocupar com o mundo e as pessoas.

"Entreguei tudo que tinha ao mundo e o mundo me traiu da forma mais podre. Por que deveria me importar?" Relembrando o passado, a ideia de jogar o garoto de volta ao rio apareceu. "Esse garoto está à beira da morte, fará alguma diferença se eu tentar ou não o curar?" Imediatamente, se arrependeu do pensamento, criando um conflito interno. Seu corpo tremeu, e a tristeza foi refletida mesmo sem o olhar.

"Tê-lo aqui pode ser considerado o destino". Pela centésima vez nos últimos dias, suspirou. Fixando a ideia, liberou uma prana cinzenta que cobriu a área entre ele e a cabana. Um sussurro e o mundo parou. As chuvas deixaram de cair e pararam no ar. O movimento do rio paralisou, deixando o silêncio tomar conta totalmente.

Suavemente, a prana cinza propriamente dita ondulava belamente, fazendo um par natural com o ambiente. Seis círculos mágicos com diversos símbolos tribais apareceram ao redor dos pés do velho. Um cheiro de topázio, amadeirado, leve e refrescante, preencheu os arredores onde a prana tocava. O espaço ao redor emitia diversos sons de vidro quebrado. O ar ondulava e o espaço estava distorcendo.

Talvez, se não fosse a beleza do velho utilizando a prana cinzenta para desenhar os círculos mágicos, essa cena seria completamente diferente de algo belo. Ela era como um pincel, desenhando cada minúsculo detalhe dos círculos. Em questão de segundos, os círculos pararam, formando um hexágono e liberando mais da mesma prana cinzenta. Apressado, utilizou sua própria energia, sendo assim, toda força canalizada era do velho cego.

Ele não utilizou nenhum conceito ou fluxo externo. Conjurou firmemente, em um tom um tanto rouca:

Espaço e dimensão. Pintando a vida em traços cinzas, o universo é o meu domínio. Eu caminharei pelos céus.

|| Arte do Céu: Deslocamento Espacial ||

Instantes depois da conjuração, desapareceram da colina e surgiram dentro da cabana. Simples assim. Toda a prana cinzenta e os círculos mágicos permaneceram apenas alguns segundos antes de desaparecerem completamente.

Utilizando um método de detecção de prana, "observou" a casa - que tinha apenas um cômodo - e percebeu a bagunça que estava. Soprando - literalmente - afastou todos os livros e roupas, deixando somente uma cama feita com vários pedaços de pano e uma caixa de ervas medicinais.

— Primeiro, vamos ver de que raça você é, meu pequeno. — Sussurrou para si mesmo, colocando a criança na cama e tirando o pano. Junto a criança, havia um colar que estava escondido no cesto.

Por não conseguir enxergar, não sabia o que era o colar - que reconheceu pelo tato - e não tinha tempo – nem a vontade – de verificar.

Concentrando-se no pequeno ser, conseguiu perceber as características físicas. Nada muito impressionante, dado as características únicas de sua prana. Não se focou nos detalhes – não importava. Capturou somente os pontos básicos.

— Cabelos brancos, olhos verdes, pele clara… — Sentiu-se confuso. — Não conheço nenhum clã humano que tenha um cabelo branco tão... prateado como esse. Será que ele é um Luna? — Conversando consigo mesmo, tentava entender a situação do garoto.

A criança estava magra - talvez não pesasse nem um quilo, o que o assustara momentaneamente. Os poucos fios brancos estavam opacos e ela não emitia um som sequer. No entanto, mesmo não tendo a visão, sentia instintivamente o olhar da criança.

Se fosse um humano, não hesitaria em voltar atrás e jogá-lo no rio.

Um olhar de curiosidade, vivo, e mesmo com tudo, não tinha medo.

"Essa criança é interessante. Ele também não parece afetado pelo teleporte. É interessante." Sorrindo pela primeira vez em muito tempo, cerrou os olhos e dissipou toda a prana cinza. Em seguida, sussurrou algumas palavras audíveis apenas para si mesmo, fazendo outro gênero de prana surgir. Dessa vez, era verde esmeralda.

Ó mãe, Yggdrasil, progenitora da vida e raiz da magia. Da prana que criastes, hei de seguir a tua pujança. Empresta-me tuas forças [...]

Era a vida. Representada pela cor verde esmeralda, esta era a prana da vida. O velho cego tinha uma alta afinidade com ela, de modo a esse ser um dos principais motivos pelo qual se tornou um médico. Utilizando-a, conseguia uma forma de enxergar o mundo pelo fluxo de energia de todos os seres.

Claro, não era uma peculiaridade disponível para todos que utilizam a prana da vida. Registrados no Livro Mundial de Versalhes, existem somente os druidas, o velho cego e cinco especialistas espalhados pelo mundo conseguiram tal feito.

[...] Prana é vida; a vida, é existência; a existência é o retorno e compreensão do universo; o universo é prana, e tudo retorna ao início

|| Arte da Vida: Reconstrução ||

Seis círculos mágicos eneagonais apareceram, semelhante aos de alguns segundos atrás. Eles exalavam uma prana suave, semelhante as nascentes mais puras.

Diferentemente dos anteriores, adquiriram um tom esverdeado. Um cheiro de orvalho invadiu a cabana. Flores e ramos de árvores, desde raízes à terra, começaram a nascer em torno dos dois, como no Conto da Terra Sagrada, escrito por Azariel Sarin, durante as guerras da Segunda Era, conhecida como a Era Secular.

— Faz um tempo desde a última vez. — Claramente desgastado, deu um sorriso fraco antes de retirar uma gota de sangue do recém-nascido. — Primeiro, preciso saber a qual raça ele pertence. Não posso simplesmente assumir que é um Luna, mesmo parecendo tão óbvio.

Era um procedimento padrão da medicina por todo continente. Todas as raças, sejam elas pensantes ou não, tinham constituições diferentes - algumas compartilham semelhanças, como os Humanos, Luna e os Sagrados.

Mas, um Luna era diferente dos humanos internamente.

Excluindo a maioria óbvia, o velho cego focou-se nas quinze raças inteligentes ativas. Dentre estes, doze eram parecidos com a humanidade de sangue único e todos conseguiam assumir a forma humana padrão.

"Bem, não são todas que conseguem assumir a forma assim que nascem. Posso reduzir para sete.". Fazendo um furo quase imperceptível na testa da criança, utilizou a prana da vida para trazer o sangue da forma mais cuidadosa possível.

A gota de sangue subiu, flutuando, até as mãos do Velho cego. Analisando, suspirou, arrependido ao lembrar-se de algo distante.

— Se tivesse minha visão, seria muito mais simples. — Apesar de refletir sobre, ainda se sentia indigno de enxergar.

Infundindo a prana na gota de sangue, notou algumas mudanças no fluxo de prana. "Se tornou azul ultramarino..."

"É um Luna"

Utilizando a prana habilmente, rodeou a criança com cuidado, possibilitando a análise das veias e a situação interna. Essa era a sua maneira de "ver" o mundo. Transmitida pela prana, as imagens da criança apareceram na sua mente em detalhes, desde as veias até os olhos curiosos, que pareciam o perseguir a cada movimento.

"Ele tem os mesmos olhos verdes que ela tinha." Pensou, entrando em nostalgia. Demorou algum tempo antes de continuar verificando a criança.

Respirou fundo. Movimentando-se dentro de segundos, abriu a caixa de ervas medicinais e, automaticamente, foi nas agulhas presas no topo, sorrindo, a postura da coluna ficou correta e, mesmo cansado, mantinha-se firme. Talvez por estar praticando medicina, aparentava ser décadas mais novo. Seus mais de dois metros foram revelados esplendorosamente.

Quando analisou a criança, não pôde deixar de suspirar.

Não importava o ângulo, a criança tinha tantos problemas que, mesmo sem pensar, conjecturou o motivo pelo qual ela foi abandonada na Baía do Luar. "No fim, deve ser assim. E, no mundo, só há uma família real que valoriza capacidade acima do sangue.... Naelyan. Mesmo assim, não parece ser um Naelyan puro, o que deve ter influenciado ainda mais na decisão."

Refletindo, definiu todos os problemas da criança. — Deficiência óssea, meridianos essenciais rasgados, deficiência de prana, deficiência ocular, doenças cardiovasculares congênitas, anemia... como essa criança está viva? — Franziu as sobrancelhas. Entendeu que, pelos meios normais, essa criança não poderia usar magia, mesmo que conseguisse ficar viva.

Até mesmo uma vida comum seria complexa.

"Apenas o velho Heylel poderia curá-lo; além de mim e da minha mestra, claro." Pôs a mão no peito, sentindo a dúvida novamente. "Posso curá-lo, até mesmo melhor que o velho Heylel, se utilizar a Teoria da Dupla Circulação... Vale a pena? Talvez eu deva jogá-lo de volta ao rio..."

Mais uma vez, balançou a cabeça negativamente. Soltou um sorriso irônico. "Devia ter acreditado na velha da família Silith. Ainda assim, nunca poderia imaginar isso. Que a dúvida viria… e dessa forma. Uma decisão que vai mudar minha vida vai ser uma aposta baseada em um par de olhos verdes e nostalgia. Me sinto idiota salvando esse garoto."

"Queria um cigarro"

Em meio aos conflitos internos, suspirou mais uma vez. "Se é para ser um idiota, que seja. Ser um gênio não adiantou muita coisa todos esses anos." Concentrou toda a prana nos dedos e uma chama verde surgiu entre suas sobrancelhas.

— Primeiro, vamos retirar esse líquido dos pulmões. Bem, pelo menos, conseguir uma maneira sem prejudicar as outras dezenas de doenças presentes.

Ponderando, inúmeras maneiras de retirar a água que o garoto ingeriu apareceram em mente, no entanto, todas elas acabariam piorando outras situações.

E ele precisava fazer isso para a Teoria da Dupla Circulação.

O corpo da criança não aguentaria.

— Deve ter uma maneira. — Franzindo, as rugas tornaram-se mais evidentes em meio ao suor. — A acupuntura está fora. Infusão também. Vômito está completamente fora de questão. Desmaterializar a água com prana pode afetar os ossos e meridianos (...)

Os segundos flutuavam lentamente. Sentindo-se pressionado, recuperou um pouco do sentimento de quando era ativo na comunidade médica. "Me sinto um pouco mais jovem, mesmo não sendo tão velho assim.". Aproveitando-se desse momento, adquiriu uma postura competitiva e pôs o orgulho em jogo.

Mais de dez minutos passaram enquanto a prana da vida se espalhava. Uma árvore crescera mais de um metro e as raízes corriam pelas paredes, enrolando-se no bambu. Um mar de folhas dançava com os ventos, ignorando a tempestade do lado de fora.

Sentindo o toque das folhas, lembrou-se de algo e sorriu. Ele não sabia se era o seu orgulho como médico ou a sensação de ser vigiado por um par de olhos curiosos pela criança. Tudo que sabia era o fato de que, não importava como, deveria salvá-la.

Uma certeza não fundamentada. E é a segunda vez na vida que toma uma decisão baseada nesse tipo de argumento.

Com um movimento suave, toda a prana da vida no ambiente foi direcionada para o ponto entre a sobrancelha. Usando a mão esquerda, desenhou alguns símbolos antigos, parecidos com ideogramas ancestrais, em pleno ar, formando diversas frases compreendidas apenas por ele. Os símbolos adquiriram, além da cor verde, um cinza borrado, mistificando a cena por diversas camadas.

Passaram-se alguns minutos antes que terminasse. A quantidade era assustadora, chegando na casa das centenas - o que sugava totalmente a energia mental e a prana do velho cego.

"Difusão e Teleporte, utilizando hidrólise. Utilizar a prana da vida para fortalecer o corpo e a prana de alteração para transferir essa quantidade de líquido para outra parte do corpo ao mesmo tempo em que a transformo em outra substância. É algo absurdo, porém, deve funcionar – pelo menos em teoria. É uma situação em que não posso errar em controle de prana."

Utilizando outro movimento de mãos, os símbolos percorreram seu corpo e o da criança como tatuagens - um misto de tribal com florido, fazendo uma alusão as oliveiras. Estes permaneceram por um momento antes de invadirem internamente e fixarem-se na estrutura óssea.

No mesmo momento que o processo de fusão terminou, uma bola verde – do tamanho de uma pílula comum – saiu da testa do velho cego e entrou na criança, envolvendo-a em um semi-casulo verde transparente.

Ao mesmo tempo, o líquido nos pulmões estava passando por um processo de hidrólise completamente sem sentido. Cada molécula quebrada do líquido tornava-se uma substância diferente que teria que passar pelo mesmo processo de hidrólise. Eram duas hidrólises seguidas e, como não era um processo natural e sim controlado, um erro no controle de prana ocasionaria na explosão do sistema respiratório da criança.

Essa foi a primeira vez em vinte anos que o velho cego se sentira tenso. Não teve tempo nem mesmo para tentar saber quais moléculas eram, ele apenas seguia uma lógica instantânea de rápida identificação e transporte, onde assim que cada molécula separada seria enviada automaticamente para um local que pudesse auxiliar na recuperação do garoto.

O processo durou cerca de dez minutos. E deu certo.

Em uma velocidade totalmente incomparável, o corpo começou a regenerar. A água resultando dos resíduos do líquido estranho, simplesmente foi expelida em forma de suor e a anemia desapareceu, sem causar nenhuma consequência negativa.

No instante seguinte, a criança adquiriu uma coloração um pouco mais normal. O velho cego aparentava felicidade por cima de todo o cansaço. — No fim, a Teoria da Dupla Circulação deu certo. Isso é bom. Ainda precisarei fazer algumas cirurgias nos próximos dias para curar essas doenças congênitas dele, no fim das contas.

— Sorriu depois de um longo suspiro.

Ele finalmente pôde relaxar.

Em meio ao cansaço, escutou algo e virou-se, com um belo sorriso no rosto; quiçá o mais sincero das últimas décadas.

Escutou a criança - que finalmente reagira - soltar pequenos sons pacificamente, e sentiu realização – E, bem no fundo, apegado ao pequeno dos olhos curiosos.

Em um impulso, decidiu nomeá-lo. — Esse garoto... apesar de ser um Luna, ainda é complicado. — Ponderando, decidiu dar-lhe um nome, porém, a indecisão era um problema.

— Blake? Não, o mundo não foi justo com ele. Colin? Não cai bem... Dylan? Seria de mal gosto. Nicholas? Talvez... não sei que tipo de ideologia o garoto vai seguir. Não que importe. — Pensativo, mergulhou em nostalgia quando finalmente se decidiu. "Se é para ser assim, tão parecido com ela..."

— Aylin. Seu nome vai ser Aylin, como a luz do luar no qual foi encontrado.

"Cabelos brancos e olhos verdes que refletem a lua."

"Tão parecido com ela..."

[1] Caso tenha quem não saiba: não obstante = entretanto, todavia, porém, mas, dentre outros.