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Demon Cafe

Demon Cafe conta a história de Lívia, uma jovem que decide abrir um café que só funciona das seis da tarde às seis da manhã. O problema começa quando ela descobre que os seus clientes não são exatamente o que ela esperava.

Raul_Dullius · Urban
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15 Chs

A Dona da Casa

Olha, bem que eu queria poder dar um salto de narrativa aqui. Tipo, "acordei na minha cama pela manhã no outro dia", mas acontece que não foi assim que aconteceu. E se aquela noite demorou para passar pra mim, não vou facilitar pra você.

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Lá estavam eu e Tati, abraçadas, os olhos arregalados tentando assimilar o que acontecia. Os monstros ocupavam cada canto do Café. Eu podia ouvi-los rindo, conversando, jogando cartas, reclamando da vida. E a julgar pela expressão de Tati, ela também os ouvia.

Acho que talvez nós estivéssemos encarando demais, porque um deles pareceu nos notar naquele momento e fez um sinal com a mão.

— Ô moça, me vê um pretinho, faz favor!

Eu não podia acreditar no que acabara de ouvir. Minha cabeça não me parava de dizer para sumir pela porta da frente e não voltar nunca mais, mas para todo lado que eu olhava, havia aquelas criaturas transitando. E eu não queria chegar perto daquelas coisas. Mais uma vez, preciso agradecer Tati por me tirar daquele surto iminente.

— Então, vai anotar o pedido dele, ou o quê?

Ela me olhava com uma expressão esquisita no rosto. Se aquilo não fosse absurdo demais, eu poderia pensar que ela estava se divertindo.

Ok, eu pensei. Tati estava ali para fazer um trabalho, assim como eu. E agora, aparentemente, nós tínhamos clientes. Não seria o fim do mundo servir um café para aquele monstro, desde que ele me dissesse...

— Como pretende pagar?

A criaturinha quase deu um pulo na cadeira, olhando para mim com uma expressão ofendida. Eu estava morrendo de medo só de chegar perto dele, mas estava determinada a pagar aquele financiamento. Devo ter soado como a pior atendente do mundo.

A criatura me olhou de canto de olho, ou assim eu pensei. Tinha uma cabeça de ave repleta de escamas, lembrando um dinossauro voador. Ele estendeu em minha direção uma mão que não era maior do que a de uma criança.

— Creio que a senhora ainda não me conhece. Meu nome é Pólux, e eu lhe asseguro que a senhora não tem motivos pra duvidar do meu crédito na praça.

Uma onda de vergonha me atingiu. Mesmo com todo o medo e confusão que eu sentia no momento, não consegui deixar de sentir vergonha pelos meus modos. Estendi a mão para cumprimentar Pólux. Assim que eu me aproximei, ele se jogou para a frente e levou a mão ao meu rosto. Eu gritei e dei um empurrão na criatura, tentando fazer ela se soltar de mim. Por sorte minha, Pólux era bem leve, e caiu para trás na cadeira. Os outros monstros sentados ao lado dele na mesa começaram a gargalhar.

— Que isso, moça! Não precisa disso não!

Foi então que eu percebi que ele segurava algo entre os dedos, com a mão que ele havia tentado me atacar. Era uma nota de 50.

— Só tava tirando isso aqui da sua orelha! — Disse ele, entre risadas que saiam de seu bico, parecidas com uma tosse de cachorro.

Passado o susto, senti tanta raiva que precisei me controlar para não gritar com aquele bichinho sem vergonha. O que mais eu ia esperar de monstros?! Peguei a nota da mão dele com um puxão, me virei e fui passar o pedido para Tati.

— Não vai esquecer do meu troco, viu! — Ele gritou atrás de mim, ainda dando risada com os seus amigos.

Ignorei essa última provocação o melhor que pude, e deixei o balcão com uma xícara de café quentinho assim que Tati terminou de prepará-lo. Lá estava eu, levando a primeira xícara do Café Goet até a mesa do cliente... Um cliente escamoso, chifrudo e mal-educado chamado Pólux. Havia tanta coisa passando pela minha cabeça naquele momento, que eu nem percebi o silêncio que se fez em todas as mesas. Conforme eu andava com a xícara nas mãos, cabeças se viraram em minha direção. Quando larguei o café na frente de Pólux, ele ficou olhando fixamente para o líquido preto na xícara. Pude ver a fumaça do café levantando da xícara e entrando nas narinas da criatura, como se fosse um aspirador. Ele fechou os olhos, deu um gole e ficou em silêncio por alguns segundos.

— Dona, — ele disse — acho que deve fazer uns 50 anos que eu não tomo um café TÃO bom.

Assim que Pólux terminou seu elogio, uma avalanche de gritos e movimentos caiu sobre o Café. Eu jurei que era um acidente ou um arrastão, mas não, eram apenas dezenas de monstros gritando em minha direção, fazendo gestos de mão com notas de dinheiro entre os dedos, me chamando.

As últimas duas horas e meia de expediente são agora um borrão na minha mente. Tati precisou me dar um curso de 5 minutos sobre como operar uma máquina de café, e nós duas trabalhamos juntas, preparando e servindo os nossos clientes. Quando o relógio marcou seis da manhã, eu sabia que não poderia continuar.

— Ok pessoal, fim de expediente. Podem voltar amanhã!

Novamente, se fez silêncio no Café. Pude perceber até mesmo o grandão, Galantyr, que permanecia imóvel como uma estátua no meio do meu salão, virar a cabeça um pouquinho na minha direção.

— Foi mal, moça. — Pólux se levantou da minha mesa, provavelmente satisfeito em falar por todos — Mas a gente não vai a lugar nenhum.

— Como assim? Olha só, vocês podem voltar amanhã às seis da tarde... — Eu nem acreditava no que eu estava dizendo, mas o caixa cheio de dinheiro estava afetando meu raciocínio.

— Não, você não entendeu. — Pólux mexia as mãos e falava bem devagar, como se estivesse explicando algo para uma criança. — Nós nunca saímos daqui. Aliás, foi divertido ver vocês se matando pra carregar aquele balcão!

Por um lado, eu devo esse mérito ao Pólux. Acho que se ele tivesse tentado explicar mais rápido, eu não teria entendido.

— Então, vocês estão presos aqui?

Pólux assentiu.

— Porque?

Ele apontou na direção de Galantyr — Pergunta pro Hellboy ali!

Eu olhei para o gigante bem a tempo de ver ele desviar o olhar, voltando a encarar o chão em sua pose de gárgula.

— Mademoiselle Lívia, podemos ir embora, si vous plait? — Tati havia se aproximado, já segurando sua bolsa. — Se os nossos clientes já estavam aqui quando chegamos, acho que vão ficar bem enquanto estivermos fora.

Eu não gostava da ideia, mas também já estava cansada demais pra discutir. Pólux pegou a deixa:

— Pode ficar tranquila chefia, que aqui tá bem cuidado! Pode deixar que eu não deixo ninguém sair da linha!

Levando em consideração o tamanho de Pólux em comparação com alguns dos outros "clientes", eu não achava que ele pudesse fazer muito para manter alguém na linha. Mas não havia muito o que eu pudesse fazer. Não pretendia chamar a polícia ou acionar o seguro por causa de monstrinhos invisíveis no meu prédio, então segui com o plano B: respirei bem fundo e tranquei a porta do lado de fora.

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Ok, agora nós podemos falar sobre a minha terrível noite de sono. Voltei pra casa cansada, com fome e sem forças para fazer algo a respeito de nenhuma dessas coisas. Deitei na cama com a roupa do dia e mal consegui dormir. Mal tinha força ou vontade para levantar no outro dia. Me joguei para fora da cama mesmo assim, pensando naquele caixa cheio de dinheiro. De onde aqueles bichos tiravam o dinheiro?

Enquanto preparava o meu próprio café, lembrei de Tati. Pensei em ligar pra ela, mas achei melhor não ficar pressionando. Se ela não quisesse voltar pra trabalhar, eu não poderia julgá-la. Eu tenho certeza de que, se estivesse na situação dela, não voltaria nem a pau. Quase tive um ataque do coração quando saía de casa para voltar ao trabalho e encontrei uma freira na minha porta.

— A paz do senhor, minha filha!

Pronto, a inquisição havia descoberto nosso Café. Eu estava pronta para confessar. Mas não, era só a Tati, com um novo personagem.

— Estive em oração na noite passada, pensando em como deveria me apresentar para os novos convidados hoje. A julgar pelos chifres, o comportamento e o dinheiro que parece surgir do nada...

— Eu sei o que você está pensando. — eu disse.

— Acredito que eles irão apreciar o conforto espiritual de minha presença.

Eu não consigo entender como ela tinha a capacidade de criar aquela situação, ou dizer aquelas falas sem cair no riso. Tati merecia um Oscar. Ou um Kikito.

Enquanto seguíamos o caminho juntas para o trabalho, Irmã Tati me contou sobre as pesquisas que havia realizado mais cedo naquele dia. Ela estava empolgada com a ideia de que haviam demônios no nosso Café.

— Então, não achei nenhum registro de demônios com os nomes Galantyr ou Pólux na intern- digo, nas escrituras. Mas também, meio que não existe um consenso de nomes de demônios... Vai desde os clássicos "Legião e Pazuzu" até coisas sem nexo como "cachorro e gato".

Ela continuou a aula de demonologia até chegarmos no Café, quando um barulho que vinha lá de dentro nos interrompeu. Passamos correndo pelo jardim e abrimos a porta, e foi aí que aconteceu algo que nunca tinha me acontecido em toda a minha vida. Aplausos.

Nós entramos no Café Goet com uma salva de aplausos, mãos balançando notinhas de cinquenta e gritos de "elas voltaram, elas voltaram!". Encontrei os olhos de Tati, e ela também estava sorrindo. Ela foi para trás do balcão enquanto eu anotava os pedidos, sem nem ter tempo de largar minhas coisas.

Naquela noite nós descobrimos que os demônios tem preferência por Blues, embora Jazz não fique muito atrás. Eles discutiam entre eles qual seria a próxima música, e eu precisei explicar o que era uma playlist do Spotify para acabar com a confusão. Depois disso, embora os pedidos não parassem nunca de chegar, a noite foi tranquila.

Quando já era quase meia-noite e eu já cogitava abrir o meu notebook para trabalhar um pouco no meu roteiro, alguma coisa bateu à porta. Olhei para Tati, apreensiva.

— Acho que é melhor eu abrir dessa vez. — ela foi em direção à porta, fazendo um sinal da cruz.

Eu pude ouvir Tati dar as boas-vindas, mas percebi pelo jeito que me olhava quando se virou que alguma coisa estava errada. Atrás dela vinha uma pessoa!

Era uma senhora já muito velha, com um cabelo branco preso em um coque. Usava um vestido preto, sapato e bolsa caros, e tinha uma postura perfeitamente ereta. Perguntei se ela gostaria de fazer um pedido, mas a velha simplesmente me ignorou e foi direto para uma mesa, quase esmagando um pequeno demônio que parecia um castor com barbatanas ao sentar. Eu fui atrás dela.

— Desculpe senhora, acho que não me ouviu. A senhora gostaria de ver o menu?

Ela me dirigiu um sorriso, embora seus olhos estivessem bem apertados, como se ela quisesse me tirar do seu campo de visão.

— Lamento, garotinha. Mas eu não vim pelo seu café. — e então ela se virou para a frente, como se pudesse ver o demônio que sentava do outro lado da mesa — Então, Glabruzel, qual é o seu preço hoje em dia?

Meu queixo caiu. O demônio na frente dela parecia um tanto quanto desconfortável, e a velha voltou a me encarar, dessa vez sem tentar disfarçar a irritação.

— Você vai continuar me encarando, garota?

Eu comecei a formular uma resposta que fosse educada o bastante para se dirigir à uma idosa, mas o demônio se manifestou antes que eu pudesse concluir.

— Você conhece as regras, Beatriz. Só pode haver negociação se o dono da casa permitir.

A velha se virou mais uma vez em minha direção.

— Mocinha, faça o favor de chamar o seu gerente?

E então eu entendi, pela forma com que Glabruzel olhava para a mim. Ele estava esperando alguma coisa, e não pude deixar de notar a grade de dentes pontudos que formava o seu sorriso.

Agora foi a vez do queixo da velha cair quando eu disse, da mesma forma debochada com que Pólux havia se dirigido à mim na noite anterior:

— Madame, eu sou a gerente.

Enquanto Beatriz lutava com as palavras para formular o que deveria ser um pedido de desculpas, pude ouvir o riso abafado de Tati vindo lá de trás do balcão.

— E se você quer negociar com um dos meus clientes dentro do estabelecimento, é melhor pedir alguma coisa do menu.

E Tati concluiu: — Amém!