1 Prólogo: E foi assim que eu morri

(???): "Acorda, seu moleque infeliz! Você não mora ao lado da escola!"

Ah, a doce voz da minha mãe me acordando gentilmente enquanto me puxa com cuidado, me fazendo cair no chão. Depois disso ela me chutou duas vezes.

(Mãe): "Levanta logo, seu estorvo!"

Meu nome é Fabrício, e por algum motivo as vezes eu penso que minha mãe não se lembra disso.

(Fabrício): "Ah, que merda você quer, sua velha? Você nem liga para o que eu aprendo na escola!"

Me levantei falando calmamente, mas minha vontade é de jogar minha mãe pela janela do quarto.

(Mãe): "Olha como fala, moleque! Se me faltar com o respeito, eu lhe arranco os dentes."

Peguei os lençóis da cama e comecei a dobra-los.

(Fabrício): "Eu não tenho mais 7 anos de idade. Você tem mais força o bastante e nunca teve o carisma para me obrigar a nada. E sobre esse tal de respeito que você fala, isso parece bom. O que acha de me dar um pouco também?"

O rosto da minha mãe se encheu de rugas quando ela fez uma careta de raiva.

(Mãe): "Seu moleque, eu te ensino a me respeitar!"

Ela levantou a mão e desferiu um tapa em minha direção, mas eu a segurei.

(Mãe): "Você vai bater na sua mãe?"

(Fabrício): "Claro que não. Meu cérebro não é tão pequeno quanto o seu."

Minha mãe começou a gritar um monte de coisas e a contar a história de vida dela pela milionésima vez, tentando apelar para minhas emoções enquanto era expulsa do quarto.

Na minha opinião, existem três tipos de filhos:

● O otário;

● O otário ao cubo;

● O racional.

O filho otário é, na maioria das vezes, aquele cara carente de atenção ou que sofre abuso por parte dos pais. O filhinho metido a rebelde que quer chamar atenção ou se voltar contra a família, e que muitas vezes acaba por infligir a lei.

O filho otário ao cubo é o oposto do filho otário, muitas vezes chegando ao ápice ignorância fraternal.

É aquele garoto comportado que recebe elogio de todos os lados, sempre fazendo de tudo para dar orgulho aos pais e quase sempre caindo em alguma chantagem emocional. Se você é desse tipo, então faça um favor para o mundo: se mata!

O filho racional é uma espécie de meio termo. Ele não faz algo pelos pais ou pela família, ele faz porque acha certo.

A maioria dos filhos executam suas ações baseados em seus pais, mas um pai pode simplesmente chamar o filho de ingrato na menor oportunidade e se livrar de qualquer responsabilidade. E quanto ao filho?

O filho racional se responsabiliza pelas próprias ações, podendo ou não ser amado ou odiado pela sociedade, mas os outros dois tipos estão apenas se queimando por consequência de escolhas erradas feitas por seus pais, enquanto que um pai que possui boa reputação jamais se queima por conta do filho.

Pronto, terminei de arrumar o quarto. Como sempre, é muito mais fácil sem minha mãe atrapalhando.

Depois disso eu tomei banho e me vesti adequadamente, e penteei meu cabelo.

Meu cabelo castanho escuro é liso, caindo sobre minhas orelhas. Muitos dizem que devo usar aquele corte de cabelo que todo homem usa, mas eu prefiro assim.

Há quem diga que meus gostos não são gostos de homem, e que eu sou gay. O fato de que defendo o homossexualismo faz com que essas provocações aumentem.

Só porque eu não sou preconceituoso, não significa que sou gay, e eu não acho que um homem de verdade fica por aí tentando provar sua masculinidade. Eu sou um homem, mas não sei como funciona a cabeça de outros homens.

Ao terminar com a arrumação, eu fui tomar meu café na cozinha ao belo som da música "a princesinha vai se atrasar" que minha mãe insiste em cantar todos os dias de manhã.

Pode parecer que eu odeio minha mãe, mas esse não é o caso. Eu até que gosto bastante dela, mas não faria como aqueles caras dos filmes que gostam de sacrificar tudo pela família.

Eu teria a coragem de sacrificar meus pais pelo bem dos meus amigos, mas, diferente de todos os outros, eu selecionei minhas companhias ao invés de chamar de amigo o primeiro idiota que apareceu na minha frente.

(Fabrício): "Tchau, eu estou indo."

(Mãe): "Agora vê se volta dessa vez! Seu pai não pode ir te buscar na casa de rapariga sempre que você quiser!"

(Mas eu sou virgem...)

Ignorei o assunto e segui meu caminho.

......

(???): "Ei, Fabi! Algum plano pra hoje depois da escola?"

(Fabrício): "Eh? O quê?"

Levantei minha cabeça de cima  da carteira escolar. Na minha frente estão meus únicos amigos: Aldair (Dai), Bruna, e Silvio.

(Dai): "Estou querendo saber se você tem planos para depois da aula!"

(Fabrício): "Que tal chegar em casa cedo e não ser morto pela minha mãe?"

(Bruna): "Eu odeio aquela mulher. Só porque você foi jogar comigo lá em casa aquele dia..."

(Fabrício): "Dá um desconto, vai. Ela ainda vive na idade da pedra, além de não saber que você já gosta do Dai."

(Dai): "Fabi, não faça esse tipo de piada."

(Fabrício): "Não foi uma piada."

(Bruna): "Nós somos amigos!"

(Silvio): "Sempre essa merda?"

Existe nesse mundo o mito de que um relacionamento amoroso com uma amiga não tem como dar certo. Antes eu não entendia como as pessoas podem entregar seus corpos a completos desconhecidos ao invés de alguém com quem tem intimidade, mas depois eu entendi.

O caráter das pessoas caiu ao nível em que o matrimônio, que é o mais sagrado dos vínculos, passou a ser considerado algo trivial. As pessoas começam um relacionamento amoroso já pensando no próximo, o que torna o "amor" do relacionamento uma completa mentira. Se meus amigos tentarem seguir essa rota estúpida, eu não vou apenas ficar parado olhando.

(Fabrício): "Se são amigos, então é meio caminho andado. Mas seus sentimentos não são apenas de amizade, então deveriam começar a namorar logo."

(Bruna): "Quando foi que eu disse que tinha esse sentimento?"

(Dai): "Eu estava prestes a perguntar a mesma coisa!"

Silvio e eu nos olhamos.

(Fabrício): "Eu conto ou você conta?"

(Silvio): "Você conta."

(Fabrício): "É óbvio demais. Vocês estão cada vez mais próximos, sempre evitam olhar no rosto um do outro, andam mais devagar quando estão juntos. Só falta carregar a plaquinha escrito 'Nos amamos mas não falamos'."

Os dois se encolheram.

(Bruna): "Vocês dois são muito estranhos."

(Silvio): "Não seriamos amigos se não fossemos estranhos."

Dai bateu as mãos com força na carteira escolar.

(Dai): "Já chega, temos coisas mais importantes para decidir! Hoje, depois da escola, no pvp, nós quatro, batalhas de duplas!"

(Bruna): "Eu topo, e vocês dois também."

(Fabrício): "Vai precisar de mais do que seu temperamento feminino para me arrastar dessa vez. Você conhece minha mãe, certo?"

(Dai): "Se oferecer algo bom, você vai?"

(Fabrício): "Duvido muito."

(Dai): "Então dessa vez o time vencedor pode pedir o que quiser para o perdedor, sem restrições. Pode até mesmo ordenar para dançar pelado na rua."

Os três me encararam esperando resposta. Eu estreitei os olhos e levantei uma sobrancelha, e eles imediatamente entenderam a resposta. "Como isso pode compensar a bronca que eu vou levar da minha mãe?"

(Bruna): "Vai lá, eu também estou de acordo, então não vou reclamar de suas demandas. Pode até me pedir para ser sua namorada... ou só para dar uma."

(Fabrício): "Como você disse, somos amigos, por isso..."

(Silvio): "Temos de ir à qualquer custo! Fabi, nós vamos acabar com eles e conseguir nosso desejo."

(Fabrício): "Mas, Silvio, você é gay. Ou você quer o Dai?"

Eu vi Aldair dar três passos ultra-velozes para trás.

(Silvio): "Não é isso! Se vencermos, poderemos mandar eles..."

Silvio parou um pouco e depois se aproximou para falar no meu ouvido. Conhecendo a preferência sexual do garoto, eu me sinto um pouco incomodado quando ele faz isso, mas faço o possível para não mostrar, porque penso que seria preconceituoso com um amigo.

(Fabrício): "Tudo bem, eu aceito!"

Eu falei calmamente depois de ouvir a proposta de Silvio.

(Bruna): "O que ele falou?"

(Dai): "Assustador..."

Chamas ardiam nos meus olhos e nos de Silvio enquanto olhávamos para nossos amigos como se fossemos demônios. Dai ficou intimidado e se escondeu atrás de Bruna.

......

(Fabrício): "É assim que se faz!"

Silvio e eu tocamos nossas mãos em um high five enquanto saiamos da casa de games. Atrás de nós saíram Bruna e Dai derrotados.

Não vou mentir, a batalha foi difícil. Fomos atingidos várias vezes, mal conseguindo sobreviver, e no fim quase não tínhamos forças para ficar de pé, mas nossa determinação e nosso desejo mútuo venceu no fim.

Os termos da batalha eram o perdedor atende às demandas do vencedor independente de quais sejam, mas certas coisas nós não pediríamos um ao outro por sermos amigos, como é o caso do "dar uma" que Bruna sugeriu mais cedo. Bom, da mesma forma certos extremos só podemos alcançar por sermos amigos.

(Silvio): "Por que estão com essas caras tristes? Agora vocês serão namorados pelos próximos 10 dias."

(Bruna): "Eu quero que vocês sejam atropelados por um caminhão!"

(Fabrício): "Seria legal. Ser atingido por um caminhão e reencarnar em um mundo de fantasia."

Os três disseram "Otaku fedido" em uníssono. É realmente errado querer reencarnar em um mundo de fantasia?

Eu ainda estava pensando nisso quando estávamos prestes a atravessar a rua e um caminhão descontrolado apareceu batendo em tudo. De dentro da cabine o motorista gritava nervoso, suando e quase indo às lágrimas.

(Dai): "Todo mundo corre!!!!"

Eu, Dai, Bruna, Silvio, e todos que estavam por perto, começamos a correr como loucos.

Dai e Bruna caíram em uma lata de lixo enquanto corriam, e o caminhão passou por eles por muito pouco.

Silvio tropeçou e tombou no chão, rolando por dois metros. Quando se levantou, ele viu o caminhão indo em sua direção e se preparou para a morte.

No ultimo momento o caminhão mudou de direção, deixando a marca de pneus próximo à ele. O coitado desmaiou após confirmar que estava vivo.

Ótimo, todo mundo está a salvo. Todo mundo, menos eu.

Eu estava correndo feito louco rua abaixo, e o caminhão me perseguindo. O caminhão não estava na velocidade máxima, e eu já tinha passado disso a muito tempo, e isso manteve a perseguição equilibrada por um tempo, mas a distância entre nós começou a diminuir rapidamente.

Pulei para a calçada, e por algum motivo o caminhão me seguiu.

É o fim. Eu já não tenho mais força para continuar correndo. Vou morrer aqui... ou foi isso que pensei.

No último momento o motorista recuperou o controle e mudou a rota do caminhão, batendo em um poste.

Eu caí no chão. Meus músculos estão doendo muito. Meus pulmões estão a ponto de explodir.

A porta do caminhão se abriu, e um homem caiu de lá de dentro. Pode parecer que eu fiquei mal, mas o caminhoneiro está numa situação que faz os mortos sentirem pena dele.

(Caminhoneiro): "Pensei que fosse morrer!"

(Fabrício): "Entendo a situação."

O caminhoneiro me notou e se levantou, ficando sentado.

(Caminhoneiro): "Me desculpe, eu não queria te colocar em risco."

Eu sorri e me levantei.

(Fabrício): "Não tem problema. Foi só um acidente comum, acontece todo dia."

Eu falei e ri. O caminhoneiro também começou a rir, mesmo estando um pouco nervoso.

[Bzzzz]

Um som crepitante chamou minha atenção. Olhei pra cima e vi o fio do poste se soltando.

Minha consciência sumiu quando o fio atingiu minha cabeça.

E foi assim que eu morri.

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