1 1 — DESEMPREGADO

"Desempregado."

Era só o que latejava na cabeça de Augusto, do acordar ao dormir. Muitas vezes, nem em sonho escapava da triste realidade. Um filho de oito anos, uma mulher e um cachorro, que mais parecia um elefante, para sustentar. E estava desempregado.

Naquela sexta-feira, completaria três semanas. Tinha um dinheiro guardado e poderia usá-lo para pagar as contas do próximo mês, mas não conseguiria ficar assim por muito tempo.

Morar em São Paulo era caro. A manutenção da casa em que viviam era absurdamente alta. De repente, o padrão de um pediatra com vinte anos de carreira era arrancado daquela família.

Corte de custos, foi o que disseram, e ele sabia muito bem o que aquilo queria dizer. Ser chefe da ala pediátrica de um dos maiores hospitais do país trazia uma grande responsabilidade, e o erro que um médico subordinado havia cometido há alguns meses acabou custando seu trabalho. Inventaram a história do corte de custos, mas ele sabia muito bem o real motivo, e lembrar aquilo o deixava ainda mais irritado.

Chamaram-no em uma sala do hospital. Os diretores estavam nervosos e Augusto não entendeu o porquê. Então o sócio mais velho proferiu as palavras, algumas saíram enroladas; as outras, nervosas e apressadas. Augusto sentiu medo na voz do homem, mas não teve chance de questionar a respeito de nada. Falaram que precisavam cortar gastos e mais uma baboseira sobre como o centro de custos da pediatria estava inflada e como o salário dele era maior que o dos outros médicos. Deixaram os papéis da rescisão sobre a mesa e mandaram que ele os levasse até o RH. Vinte anos de esforços naquele hospital, menos de vinte minutos para perder o emprego. Simples assim.

Samuel, o melhor amigo, estava do lado de fora da sala quando aconteceu, e suas palavras voltaram à mente de Augusto: "Poxa, eu tentei chegar primeiro para te avisar, mas não consegui. Ouvi um desses crápulas conversando com o outro, dizendo que tinham que te mandar embora e que tinha que ser hoje".

Augusto Vianna e Samuel Osller eram amigos desde que começaram Medicina. Desde o início do curso, estudavam e praticavam juntos. Sam se encontrava tão chateado quanto ele com toda a situação.

O pior de tudo era não conseguir outro emprego de jeito algum. Enviara o currículo para vários hospitais de São Paulo, nunca obtendo retorno. Nem mesmo um e-mail de recusa, que fosse. Tentou ligar algumas vezes, mas sempre fora mal atendido, como se a pessoa do outro lado estivesse nervosa e não visse a hora de encerrar a conversa.

A única proposta que ele recebeu chegou uma hora depois de ter assinado o contrato de rescisão. A primeira vez veio em forma de e-mail. Uma vaga para pediatra em uma cidade chamada Rio Denso. Augusto nunca ouvira falar daquele lugar, mas, ao pesquisar, descobriu que ficava em Santa Catarina. Era uma cidade minúscula, de aproximadamente 2.000 habitantes, segundo a Wikipedia.

Acabou por ignorar a proposta. Por mais que lá pudesse ser seguro para seu pequeno Rob, a mensagem era estranha e lhe causou desconforto imediato.

Continuou procurando por emprego. Os e-mails "esquisitos" não paravam de chegar. Sempre a mesma mensagem:

De: precisamosdeumpediatra@riodenso.com.br

Para: augustovianna@gmail.com

"Temos vaga para pediatra. Seja nosso pediatra. Rio Denso, em Santa Catarina, precisa de você, Dr. Augusto Vianna."

A reação de Augusto era sempre a mesma: selecionar e excluir. Então começaram as mensagens pelo WhatsApp — sempre iguais às dos e-mails. No fim do dia, chegavam a acumular mais de 500. Começou a ficar nervoso e temeroso pela segurança da família. Chegou até a procurar a polícia, com medo de que algo acontecesse ao filho e à mulher, mas nunca fizeram nada. Registravam um boletim de ocorrência e mandavam ele para casa.

Passaram-se os dias, e as mensagens continuaram a chegar. Augusto fazia sempre a mesma coisa: excluía todas. Além disso, nenhuma resposta em mais de cinquenta currículos enviados.

Saía para enviar mais alguns, quando o celular tocou e ele atendeu, sem nem prestar atenção ao número. Do outro lado, ouviu a voz de uma mulher de aparentemente cinquenta anos:

— Bom dia, Senhor Vianna. Nós precisamos de um pediatra. Você é um pediatra? Ah, acho que é sim. Nós precisamos de você. Venha para Rio Denso. Venha para Santa Catarina. O senhor terá uma casa linda, Senhor Vianna. A vista é de tirar o fôlego. Diga sim. Venha para nós.

A ira inflamou. Augusto xingou a mulher de todos os nomes possíveis que lhe vieram à mente, contrariando toda educação e docilidade que lhe eram características. No fim, pediu para que ela não retornasse mais e desligou.

Mas de nada adiantou. As ligações aconteciam em um ciclo de 30 ou 40 minutos. Os números variavam, e Augusto passou a não atender mais qualquer um que não estivesse salvo em seu celular.

"Hoje é seu dia de sorte! Vou enviar energia positiva", dizia Elisa, sua esposa, sempre que ele ia distribuir currículos. E aquilo sempre doía, porque ele sabia que voltaria para casa sem nada. Que a pilha de currículos enviados e sem respostas só aumentariam.

Foi na sexta de manhã que ouviu o bater na porta. O toc-toc incessante. Bateram uma, duas, três... Quando estavam prestes a bater pela quarta vez, o médico a abriu.

Do lado de fora, havia um homem alto, de cabelos castanhos. Encarava Augusto com um sorriso branco. O médico o encarou por alguns instantes, até que, por fim, disse:

— O que deseja?

O homem desfez o sorriso.

— Ora, Senhor Vianna, o que mais, senão lhe oferecer um emprego? O único emprego que o senhor está recusando há semanas. Uma oferta, a meu ver, irrecusável.

Augusto tentou fechar a porta, o estranho barrou o movimento com a mão esquerda.

— Não faça isso, doutor, ou o senhor nunca mais encontrará emprego. Nem de médico, nem de limpador de fossas. Perderá tudo que possui e terá de morar na rua com sua família. Chagará um momento que talvez até pense em matar o cachorro para que os alimente. E, por fim, acabarão morrendo de barriga vazia, isso se antes não tentarem devorar uns aos outros. É esse fim que deseja para eles? — O homem ajustou a gola da camisa e voltou a sorrir.

Aquilo pegou Augusto de surpresa. A expressão risonha no rosto do estranho tomou rigidez, fazendo com que um alerta ecoasse na mente. Voltou a abrir a porta como quem dissesse para que prosseguisse.

O estranho continuou:

— Então, Senhor Vianna, nosso único hospital em Rio Denso é padrão de primeiro mundo. Precisamos do senhor porque sabemos da sua reputação. Quando soubemos que tinham mandado o senhor embora, entramos em contato imediatamente. Como o senhor não respondia nossos e-mails e nem nossas mensagens no WhatsApp, muito menos atendia nossos telefonemas, tive de vir pessoalmente.

Augusto travou. Tentou mover os lábios e falar qualquer coisa para o estranho, mas o som não saía, e tudo em que conseguia pensar era em Elisa e Rob — na segurança dos dois. E se aquele homem tivesse sido o responsável por ele não conseguir um emprego? Aquela gente era perigosa... e psicótica.

O homem continuou:

— O que pedimos é que se mude para Rio Denso em duas semanas. Será o médico-chefe do hospital e nós lhe daremos uma casa maravilhosa, no topo da colina. De lá de cima, pode-se ver a cidade toda, Senhor Vianna. E tem espaço suficiente para seu filho e o cachorro brincarem. Além disso, tenho certeza de que a paisagem inspirará Elisa na escrita de seu novo romance. Como disse antes, é uma oferta, a meu ver, irrecusável, Senhor Vianna.

Augusto entendeu o que o homem quis dizer. Queria deixar claro que conhecia a família dele. Que caso não aceitasse a oferta, não ficaria apenas sem emprego.

O estranho estendeu a mão, entregou um cartão e encarou o médico, com os pequenos olhos verdes vibrantes.

— Você tem três dias para nos retornar. Após isso, não haverá mais trato algum.

Deu as costas e foi embora.

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