2 01. 4:49 a.m.

"As pessoas entram em nossa vida por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem" - Lilian Tonet.

𖡩

Jeon Jungkook

Sinto uma dor lancinante atravessar meu peito, fazendo minha cabeça girar. Meus dedos formigam e um grito horripilante sai de minha garganta. Um cheiro metálico preenche minhas narinas, me dando ânsia de vômito ㅡ é cheiro de sangue, talvez do meu sangue...

"Timothy!", grita uma voz familiar e desesperada, vinda de algum lugar ao meu redor. Isso foi o suficiente para que eu me acordasse, alarmado, e sentindo o ar faltar de meus pulmões.

Minha camisa está encharcada de suor, assim como meus cabelos. Olho ao redor no apartamento vazio, procurando algo que nem eu mesmo sei o que é. No relógio na parede, os ponteiros indicam 4:49 da manhã.

ㅡ Que merda... ㅡ caio para trás, voltando a deitar na cama.

Meus sonhos vem se tornado ainda mais intensos e realistas desde que eu eu conheci Park Jimin, o sobrinho da diretora Park, dona da escola de música Christian.

Aquele garoto... como é possível que ele exista? A mesma face com a qual eu venho sonhando por toda a minha vida... será apenas coincidência?

Esfrego o rosto com força, tentando fazer minha sanidade voltar pra dentro da cabeça.

Já é segunda feira novamente. Eu realmente odeio segundas feiras. Todo mundo odeia segundas feiras. Mas o pensamento de encontrá-lo por aí, e talvez ㅡ se tiver sorte ㅡ poder vê-lo interpretar uma obra qualquer, talvez Beethoven* ou Debussy* , a quem ele tanto admira, de alguma forma faz a existência das segundas feiras valerem à pena.

Nunca me achei um aluno excelente, mas pelo visto eu sou bom o suficiente para conseguir uma bolsa. Perdi meus pais, ambos há três anos. Minha mãe faleceu por conta de uma infecção, e meu pai... ele existe apenas de corpo, pois sua alma se foi junto com a de sua amada. Ele nunca demonstrou muito afeto por mim, mesmo quando minha mãe estava viva, então na primeira oportunidade eu dei o fora, já que ele não fazia questão alguma da minha presença.

Por sorte, destino ou coincidência, a escola Christian para jovens músicos tem ótimos patrocinadores, e oferecem alojamentos para seus estudantes intercambistas e para os bolsistas, como é o meu caso.

"Será o início de uma nova vida" , foram as palavras que a Sra. Park usou durante nossa conversa. Mas eu não me sinto empolgado para essa "nova vida"... na realidade acho que nunca me senti muito empolgado com nada; é como se eu já tivesse nascido cansado.

Pelas brechas das persianas, a claridade começa a surgir em meu quarto escuro. Seoul está acordando.

Me ergo, calço os chinelos e ponho um agasalho; ando para fora do quarto, e caminho pelos corredores, tentando não fazer barulho. Ao subir as escadas, finalmente chego no terraço, onde posso ver os primeiros raios de sol aparecerem por entre os altos prédios. Não importa quantas vezes eu veja o nascer e o pôr do sol, sempre serão meus espetáculos favoritos.

ㅡ Bonito, não é mesmo?

Pulo no lugar, alarmado, e me viro no mesmo instante, procurando o dono da voz.

Atrás da tubulação de ar do edifício, um loiro está recostado na parede, com um cigarro entre os dedos. Ao lado de seu corpo inteiramente vestido de preto, uma garrafa de vidro vazia o faz companhia. Ele dá uma tragada em seu cigarro, segurando a fumaça antes de soltá-la, pelos lábios entreabertos.

Dou alguns passos em sua direção, antes de perceber que ele não está olhando pro nascer do sol, mas sim para um dos cartazes espalhados pela cidade; um anúncio com a foto de Jimin, o menino prodígio que será a estrela do concerto de aniversário da escola Christian.

ㅡ Está falando de Park Jimin?

O loiro não responde, apenas continua de olhar fixo no cartaz no prédio vizinho.

ㅡ Ele tem tudo o que quer... Ele sempre tem ㅡ ele aponta pra face branca de Jimin, com seu cigarro.

ㅡ Ei...

Me agacho, ficando na altura do estranho, que finalmente decide olhar para mim. Sinto um calafrio subir pelas minhas costas e arrepiar alguns de meus fios de cabelo. Que sensação incômoda.

ㅡ Meu nome é V... ㅡ diz de repente, sem esboçar qualquer emoção.

ㅡ V? Como a letra? ㅡ indago e ele assente ㅡ Sou Jungkook ㅡ não digo o sobrenome já que ele nem sequer me disse seu nome ㅡ Você estuda aqui?

Ele ri, fechando os olhos e recostando a cabeça na parede. Prefiro não perguntar o motivo da graça.

Observo V pegar a garrafa e levar até os lábios, fazendo uma careta ao perceber que está vazia.

ㅡ Será que eu devo comprar outra?

ㅡ Não está muito cedo pra beber? ㅡ indago, tomando a garrafa de vidro da mão do rapaz, que aparenta ter a minha idade.

ㅡ Não é novo de mais pra bancar o tiozão? ㅡ ele leva o cigarro aos lábios uma última vez, antes de pressioná-lo contra o chão de concreto, apagando-o.

Dou de ombros. Ao olhar para trás, vejo que o céu já está cheio de raios laranja e rosa.

ㅡ Aí, Ahjussi*... ㅡ ele me cutuca.

ㅡ Ahjussi? ㅡ ergo as sobrancelhas, embasbacado, e ele ri com os olhos entreabertos.

ㅡ Pode me ajudar a me levantar? Não sinto minhas pernas.

ㅡ Há quanto tempo você tá aí?

ㅡ Desde ontem à noite.

Solto um suspiro, me preparando para ajudá-lo.

ㅡ Você deve estar cansado...

Passo um dos braços de V ao redor de meus ombros, e com um de meus braços em sua cintura, eu o ergo do chão.

ㅡ Não tem medo de ajudar um estranho? ㅡ indaga.

ㅡ Eu deveria deixar você aqui, então?

ㅡ Eu não disse isso... ㅡ ele soluça ㅡ Sou bem pesado, certo? ㅡ diz, enquanto andamos.

ㅡ Não muito...

Pelo canto do olho, vejo-o sorrir, à centímetros do meu rosto.

Descemos as escadas, e caminhamos lado a lado, até o andar que V havia mencionado. Assim que adentro no corredor, sinto meu coração falhar por um instante, ao ver a face de Jimin.

Ele alterna o olhar entre mim e o cara ao meu lado. Tremi, apreensivo com o que ele pode estar pensando.

ㅡ Hyung... ㅡ Jimin diz num sopro.

Primeiro pensei que ele estivesse falando comigo, mas quando o rapaz caminha até nós, pasmo ao ver que se trata de V. Sunghoon põe as mãos no rosto alheio, fitando seus olhos semicerrados.

ㅡ Ele estava lá em cima, no terraço... ㅡ digo, vendo o desespero nos olhos do rapaz.

Jimin me encara, vejo preocupação, e ao mesmo tempo alívio em seu rosto.

ㅡ Que bom que o encontrou... Obrigado... ㅡ diz, pegando V, e se tornando seu novo apoio.

O rapaz me dá as costas, caminhando para longe com o loiro, no corredor vazio.

ㅡ Jimin ㅡ chamo, fazendo-o virar a cabeça em minha direção ㅡ Quem é ele? ㅡ ouso perguntar.

ㅡ Ah... Esse é o Taehyung ㅡ diz fazendo uma careta, por conta do peso do outro ㅡ É o meu irmão mais velho.

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Glossário:

Beethoven e Debussy - músicos e compositores, que atuaram principalmente no ramo da música clássica.

Ahjussi - termo que os coreanos usam para se referir à pessoas mais velhas, na faixa dos 40 anos.

Hyung - é como os garotos coreanos chamam os irmãos ou amigos mais velhos.

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