1 9:00

Ao acordar, senti a minha cabeça latejar de dor, a dor crescia em intensidade, como também uma forte tontura seguida por náuseas atacaram meus sentidos de forma violenta. Alternando entre a consciência e inconsciência durante um período desconhecido de tempo fui motivado a me levantar por ruídos a qual escutei. Grunhidos vinham da porta a minha frente, então eu percebi minha necessidade de observar o que poderia ser. Primeiramente abri os olhos e respirei fundo, tentando desviar meu foco da dor, consegui encontrar refúgio mental analisando friamente meu entorno.

Observando melhor o entorno, as lembranças de onde eu estou finalmente me vieram a mente, junto com o cheio podre do cômodo. O cômodo está um caos igual a minha mente. Olhei para o pequeno relógio ao meu lado, ele parecia estar danificado a um bom tempo e não fazia mais sons ao alarmar, ele marca 9:00 da manhã.

-Bem, acho que já estive em locais piores.

Tentei me confortar com a atual situação, mas qualquer tipo de positividade infundada ou sarcasmo não a melhoraria.

Era um cômodo frio, mesmo cômodo a qual eu dormirá ontem, em baixo do meu corpo dolorido um colchonete úmido era meu único luxo, minhas roupas estavam em sua maior parte rasgadas, cobertas com manchas de sangue preto, as feridas já pareciam ter desenvolvido uma casca, mas não de cicatrização e sim do sangue a qual ficou seco.

-Ok, acredito também que já estive em situações melhores...

Minhas lamentações poderiam ser dignos de dó em outros momentos, mas agora eles só escancaram o quão fraco mentalmente eu estou.

(GRRRRRRRR!)

Os grunhidos voltaram a aparecer. Sei muito bem de quem são eles, então me levanto com dificuldade e fico à frente da porta.

-Você ainda está aí, Mors?

A voz para de grunhir durante alguns momentos para falar isso, mesmo sendo audível é notável como a criatura faz esforço ao falar.

-Vou esperar ao seu lado até a hora certa.

Respondi calmamente a voz, então escuto um leve suspiro de alívio do outro lado.

-Você realmente é gentil, não é? É engraçado como as coisas aconteceram, posso me considerar sua mãe agora, já que te ensinei tudo o que você sabe sobre o mundo.

Consegui escutar algumas risadas leves vindas da porta.

-Nesse caso, por que não me deixa sair agora, você sabe, quero tomar um pouco de ar fresco antes de partir.

Ao escutar suas palavras lastimáveis me fiz de surdo e fechei meu coração.

-Não irei abrir a porta. Cumprirei com a minha promessa.

Falei com calma, mas a voz parecia ter ficado subitamente ansiosa.

-Vamos lá, Mors! Eu já me sinto bem melhor, não precisa se preocupar comigo atacando outras pessoas, eu só quero tomar um pouco de ar. Você vai mesmo negar o último pedido de alguém? Meu último pedido??

A criatura aparenta estar cada vez mais ansiosa, tentando desesperadamente me convencer. Ela tentou de várias formas, utilizando ora chantagem emocional, ora ameaças.

Me fiz de surdo e só respondi quando era extremamente necessário, de certa forma a criatura do outro lado parecia só falar cada vez mais enquanto o tempo passa.

E o tempo, como sempre, cruel nos momentos certos fez tudo aquilo durar muito tempo, pois quando olhei novamente ainda eram seis horas da noite.

Eu tomei a iniciativa para falar pela primeira vez em horas.

-Está chegando a hora.

Em outros momentos esta frase seria dita com muita cautela e pesar, mas a forma de se expressar atualmente era diferente, crua e realista.

Finalmente a voz se calou durante um instante e somente gritos de ódio puderam ser ouvidos a partir dali.

-FILHA DA PUTA, CUIDEI DE VOCÊ DURANTE O ÚLTIMO DIA E É ASSIM QUE VOCÊ ME TRATA? LIXOS COMO VOCÊ MERECEM TODO O INFERNO DESTA TERRA MALDITA.

Eu me fiz de surdo para todas aquelas acusações, a criatura só se tornava cada vez mais violenta e em algum ponto até suas palavras se tornaram difíceis de se entender.

O tempo está passando.

Eu olhei novamente para a parede e o antigo relógio finalmente encontrou seu ponto, eram 21:00.

-Está na hora.

Reafirmei minha determinação e fui em direção a porta de madeira.

Durante todo este tempo não tinha prestado atenção onde eu estava, ou melhor ainda, não queria, mas a realidade sempre faz seu cruel trabalho e mostra sua verdadeira face com o tempo e este era um destino do qual eu não poderia fugir, pelo menos não esse.

Era um cômodo normal de uma residência bastante simples, um sofá, uma pequena mesa de madeira e algumas cadeiras, acompanhadas de alguns pratos quebrados. Suas paredes anteriormente brancas eram tingidas de um profundo carmesim, quadros baratos se tornaram pinturas totalmente monocromáticas, tendo o vermelho como protagonistas. No chão, estava o colchonete úmido a qual eu passei o último dia todo escutando a criatura, mas esse era o momento que foi acordado, eu tinha uma promessa a pagar agora, pelo menos uma parte dela.

Eu finalmente abri a porta, mas nenhuma voz de felicitação foi escutada por isto, deste lado existia um pequeno quarto, sua antiga cor rosa é agora dominado pelos tons de vermelho e marcas bizarras. No final da sala, apoiada na parede, uma jovem moça estava com seus belos olhos fechados.

"Maria."

-Este é o nome dela, pelo menos era o seu nome.

Usando roupas simples e todas manchadas de sangue, aparentava ter cerca de 19 anos, ou talvez até menos, seus cabelos anteriormente castanhos tomavam um tom de preto em vários locais.

Eu me aproximei calmamente e observei o seu estado com mais cautela.

As duas pernas estavam gravemente feridas, várias feridas superficiais e profundas estavam em todos os lugares do seu corpo.

Seu pequeno rosto foi o menos danificado, mas mesmo ele sofreu as consequências, pois continham lacerações em alguns locais.

Segurei sua face durante alguns momentos, mesmo com as feridas todo o seu semblante na minha visão era simplesmente lindo. Não somente ela, mas a destruição causada, os cheiros fortes e as marcas na minha visão tinham uma beleza indescritível.

Poderia comparar esta cena com ela sendo a rosa principal de um belo jardim.

"Realmente é problemático achar tudo isso belo?"

Eu me perguntei, mas lembrando do que Maria tinha me dito, acredito que sim.

Eu coloquei a mão em um dos meus bolsos e peguei uma pequena faca de cozinha, pouco amolada para cortar facilmente. A ferrugem era a única decoração da faca, sua nitidez a muito já perdida não ajudaria se alguém a tentasse usar para cortar qualquer coisa.

Enquanto estava me preparando, os pequenos olhos de Maria começaram a se mexer, me afastei um pouco mais e deixei somente meu braço direito à frente do rosto dela.

Maria nem abriu os olhos, subitamente mordeu meu braço direito e tentou puxar para trás sua cabeça, instintivamente ela estava tentando me puxar para mais próximo a ela.

Eu já esperava essa reação, então a decapitei utilizando a faca na minha mão esquerda com bastante esforço. Retirei seus dentes da minha carne e finalmente senti uma leve dor naquele local.

"Cumprirei minha parte do acordo, assim como você cumpriu a sua"

Observei a faca e o cenário durante algum tempo, organizando minha mente e refletindo sobre tudo.

Procurando em minha mente tudo o que precisava lembrar, fui organizar alguns objetos naquele cômodo.

As conversas que tive com Maria antes da infecção vieram à minha mente.

"Ela realmente foi uma mulher assustadora".

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