22 Eu Sei Quem é Você

[POV JHIN]

Território de Nível Trinta, 15 de Agosto de 2034

Esta é com certeza a terra do comércio. Todas as cidades do nível trinta possuem tanto NPC's como players em constantes negociações. Equipamentos de excelente qualidade são vendidos nesse território.

Estamos em Oushallan, cidade de número dois. Aqui, a especialidade dos comerciantes são armas, principalmente para Espadachins e Lanceiros.

Em qualquer canto que você vá, é possível ver barracas ou letreiros enormes indicando lojas. Às vezes é difícil saber quem é uma pessoa real e quem é um NPC. No mais, é bastante agradável passear por essas bandas. O clima de cidade mercantil medieval provoca um prazer diferente, e também, há portos muito belos neste nível.

- Sim, sim, sim, estamos perto, moleques – Ruffus afirmou.

Ainda não havia compreendido como a habilidade deste rato funcionava, mas sem dúvida era impressionante. Como alguém poderia "farejar" o primeiro local que um item surgiu? É no mínimo curioso. No entanto, sendo útil para mim, não o questionaria, visto que seu temperamento pode fazê-lo simplesmente se recusar a nos guiar, mesmo abrindo mão da recompensa.

- Sr. Ruffus, já estamos chegando? – Mira perguntou.

- Sim, garotinha, acho que estamos há uns dois quilômetros do lugar. Vamos continuar no ritmo e estaremos lá em breve.

Eu cochichei com Jeremiah:

- Ei, como a Mira conseguiu esse rato velho?

- Foi um orbe extremamente barato que eu comprei pra ela. Um dia, no Território de Nível Doze, um rapaz Invocador disse que o conseguiu matando um Slime Vermelho.

- Monstro fraco.

- Exatamente. Como o nível necessário era baixo, o cara me vendeu por duzentos nins, então presenteei a Mira.

- Hmmmm...

- Mas no fim, se mostra uma coisa muito interessante – ele afirmou.

- Você também achou?! – Fiquei surpreso em saber que Jeremiah também tinha suas curiosidades em relação ao ratinho.

- É claro! Quer dizer... é normal um NPC parecer tanto um ser vivo assim?

- É exatamente o que estou pensando.

Como eu sempre digo, a cabeça dos desenvolvedores deste jogo precisa ser estudada, tanto pela peculiaridade como pela genialidade. Ademais, ficar conversando sobre como esse ratinho era diferente não iria levar em nada, eu precisava focar no meu objetivo atual.

Mas com certeza gostaria de ter uma conversa longa com Ruffus algum dia para testar algumas coisas...

Depois de alguns minutos caminhando por Oushallan, e claro, me maravilhando com o fluxo de pessoas e o clima da cidade (isso me animava bastante), nós finalmente chegamos a um estabelecimento que parecia ser uma loja de armas. Era pequeno, mas bem decorado.

- É aqui – disse Ruffus.

- Tem certeza? – Perguntei.

- É claro que sim, moleque! Meu olfato nunca falha! Aquela kris cheira a essa loja.

- De qualquer forma, vamos entrar – indicou Mira.

Eu fui na frente, curioso de ver quem encontraria. Eles me seguiram, pareciam tão ansiosos quanto eu.

Ao entrar, vi que não havia ninguém. Me aproximei do balcão e toquei a campainha presa na madeira: com o barulho agudo, um homem moreno, com roupas de ferreiro, careca e magro apareceu de dentro de uma sala ao fundo.

Depois dele se aproximar apressadamente, nos atendeu:

- Olá, bom dia, posso ajudá-los?

Era um jogador.

- Bom dia, uh... – eu hesitei.

- Cornelius.

- Sr. Cornelius. Vou direto ao ponto: por acaso reconhece este item? – Retirei a kris do meu inventário e lhe passei.

O homem a analisou por alguns segundos: seu olhar permaneceu frio e impassível, tive a leve sensação de que ele fez um pequeno esforço para se manter normal.

- Sim, reconheço. É uma arma que fiz.

Então de fato... a "origem" deste item era essa loja, foi o primeiro lugar que ele apareceu. Que habilidade impressionante do rato.

- Pode me dizer quem a encomendou?

- Sinto muito, mas isso é impossível. É contra a política dos ferreiros, e também faz muito tempo – ele se esquivou.

- Sr. Cornelius – Jeremiah interveio -, eu sou um ferreiro desde o começo desse jogo, e se tem algo que eu sei é que se um de nós está nessa situação só não falamos para quem vendemos por dois motivos: não queremos ou não podemos. Qual é o do senhor?

- Ngh... – o homem deu uma leve recuada. – É... é um ferreiro também?

- Sim. Não é como se fosse um crime ou pecado simplesmente dizer o nome da pessoa que solicitou a arma, a não ser que... seja alguém perigoso.

- Vocês não devem se meter com assuntos que não são da sua conta.

- Sabemos que fez essa kris para um membro da guilda Eye – eu afirmei.

- O... o quê...?!

- Vou ser direto – o encarei -, sua arma foi usada para uma tentativa de assassinato em mim. Kris é uma lâmina perfeita para este tipo de serviço, e não é encomendada à toa.

- Eu... não tenho nada a ver com isso.

- A questão é: você é um ferreiro oficial da Eye, ou simplesmente foi solicitado para isso?

- M-malditos...

- Sua posição não é muito favorável aqui – Mira comentou. – Ainda que esteja protegido pela zona segura, há meios de te forçar a vir conosco.

- Certo, certo! Eu não sou um ferreiro deles, apenas me procuraram para o serviço! Disseram que queriam um carregamento de armas especializadas em assassinato. No começo hesitei, mas recebi um pagamento gordo e acabei cedendo. Não se diz não muitas vezes pra esse tipo de gente.

- O que sabe sobre O Escolhido? – Perguntei.

- F-fala do líder que eles cultuam como um deus? Eu ouvi falar, mas não foi com essa pessoa que negociei.

- E onde você entregou o carregamento? – Insisti.

- Numa base na terceira cidade, fica no porto. É fácil de ver, é uma construção branca com formas curvas, se destaca bastante.

- Agradeço a cooperação – eu disse.

Nos viramos, prontos para sair, no entanto, acabei me surpreendendo ao ver duas pessoas cruzarem o hall de entrada: uma delas era um homem caucasiano, de cabelos médios e castanhos, e a outra... uma garota de cabelos vermelhos e olhos azuis.

Essa não...

- Oh, essa parece uma boa loja, Vetter.

- Creio que sim, capitã Feli. Espero encontrarmos o que estamos procurando.

- Sim e... – ela me percebeu enquanto passávamos por eles, mesmo eu tentando sair de fininho. - Hãn?! É você!

- Uh... – virei meu rosto devagar e a olhei, ao mesmo tempo em que Mira e Jeremiah analisavam a situação com expressões de dúvidas.

- Jhin! É você!

- Err... o... oi, capitã Feli... haha – respondi, sem graça.

- O que faz aqui?

- B-bom eu...

- Jhin, você conhece ela?! – Mira me perguntou, surpresa.

- S-sim, nós já fizemos algumas missões juntos.

- Capitã Feli da guilda Royal – Jeremiah comentou. – Soube que trabalhou junto com meu amigo aqui.

- Sim, é verdade. Se ele não fosse tão teimoso, talvez pudéssemos ter continuado.

Eu estava realmente desconfortável com aquela situação. O motivo não preciso nem explicar: Feli sabe muito sobre mim.

Notei também que o homem que estava junto dela me olhou de forma julgadora e repulsiva, como se eu fosse alguém que o incomodasse. Não o conhecia. Provavelmente estava escoltando a capitã.

Ainda sem graça, eu tentei me livrar da situação:

- Uh... b-bom, Feli, foi um prazer te rever. Pessoal, vamos? – Os indiquei a saída.

- Espera aí, Jhin! Eu...!

Então, antes que ela pudesse terminar de falar, por sorte, percebi algo voando em uma velocidade incrível em direção à Feli; o objeto passaria pela entrada e a acertaria em cheio. Me joguei com todas as forças e a tirei da trajetória daquela coisa, que passou rasgando o ar e prendeu-se na parede atrás do ferreiro, deixando-o imóvel tendo aquilo passando a centímetros do seu rosto

- CAPITÃ FELI?! – O homem que a acompanhava berrou.

- JHIN! – Jeremiah e Mira fizeram o mesmo.

- Eu estou bem! – Os informei. – Que droga foi essa?!

- Ai, ai... – a queda acabou não sendo tão tranquila para Feli, que se recompôs depois de um tempo. Eu a ajudei a levantar. Ela exclamou: - Mas que diabos foi isso?!

- Grr... q-q-quase me acertou... – o ferreiro tremia e apontava para a lâmina fincada na parede: era uma kris, igual à que trouxe a ele.

Percebi um pequeno corte no meu braço. Isso não era possível... como sofri dano dentro da zona segura? Será que foi um NPC? Não... eles não atacariam alguém assim do nada.

Olhei para fora, e em meio à claridade, percebi uma figura encapuzada. Não podia ver seu rosto, mas senti algo estranho ao encará-lo. Corri imediatamente para fora e os outros me seguiram.

- Quem é você?! – O questionei.

- Hehe... – ele apenas riu para mim.

- Maldito! Como se atreve a fazer isso?! – Feli o confrontou. – Por acaso se esqueceu que essa é uma zona segura?!

- Eu sei muito bem, capitã...

Essa voz! Por que eu tenho a sensação de que já ouvi essa voz antes?!

- Para trás, capitã – alertou Vetter.

- Pessoal, fiquem atentos! Esse cara... – Jeremiah assumiu uma expressão tensa. – Mira, para trás!

- T... tá!

- Diga logo quem é você?! – Perguntei. Estava nervoso... Nunca tinha sentido algo parecido antes.

- Jhin... talvez você me conheça por "O Escolhido".

- O quê...?!

- Então é essa pessoa quê...?! – Jeremiah exclamou.

- Parece que a capitã Feli tem alguns aliados interessantes – ele afirmou.

- O que você quer comigo, líder da guilda Eye?! Acha que vamos tolerar essa sua tentativa infantil de assassinato?! – Feli o ameaçou.

- Haha, eu só queria testar uma coisa, minha querida.

Droga... essa voz, eu já ouvi antes, eu sei que já ouvi! Parece maligna e sombria, mas... tenho certeza que já ouvi!

Algo tomou conta de mim, e não hesitei mais nenhum segundo: queria ver quem estava por trás daquele capuz. Saquei a Espada da Meia-Noite e parti para cima daquela pessoa, sem ter ao menos certeza se a zona segura permitiria.

Contudo, minhas suspeitas se concretizaram: algo estava errado. Eu fui capaz de atacá-lo dentro da cidade.

Em um movimento rápido, aquele cara conseguiu bloquear meu golpe com apenas outra kris, o que me deixou um pouco frustrado.

Tentei sucessivamente golpeá-lo, mas seu corpo se movia de forma muito leve e natural, não me dando aberturas para acertar. Os outros permaneceram estáticos e surpresos por verem uma batalha entre jogadores em plena zona segura.

Desisti e recuei, sentindo um perigo eminente. Aquela situação era delicada. Percebi que não poderia vacilar, ou estaria em apuros.

- Aaah, essa é a famosa espada.

Hãn?! C-calma... ele sabe sobre a Espada da Meia-Noite?! Como assim?! Quem é esse sujeito?!

- O que quer comigo? Você manda homens atrás de mim, e agora isso com a Feli.

- Vai saber na hora certa, Jhin. Eu só quero o bem.

- Não me faça rir.

- Sou aquele que guiará os jogadores para o melhor, não importa o que tenha que fazer – após dizer isso, se virou e caminhou calmamente como se nada daquilo tivesse acontecido.

- ESPERA!

- Nos vemos em breve, Jhin.

O observei saltar para o topo de uma construção e em seguida sumir das nossas vistas.

- Você tá bem?! – Feli se aproximou.

- Estou.

- O que foi aquilo?! Como é possível lutar dentro da zona segura sem um duelo?! – Jeremiah indagou.

- Não sei, mas eu tenho certeza que podíamos nos ferir.

- Jhin, seu braço – Mira apontou para o corte.

- Não é nada, eu estou bem.

- Capitã Feli, temos que sair daqui – Vetter a alertou.

- Certo. Vocês três, venham comigo, por favor!

- O quê?! – Exclamei.

- Sem tempo pra isso! Ainda podemos todos estar em perigo! Você realmente me salvou ali atrás, me deixa ajudá-los agora!

- Jhin, é melhor fazermos como ela disse – Jeremiah me aconselhou.

- C-certo.

Corremos pela cidade rumo a um certo lugar.

Não posso negar que fiquei apreensivo. A situação talvez seja mais delicada do que imaginei. Aquela voz... tenho certeza que a conheço. Esse cara não estava brincando quando tentou acertar a Feli com a kris, ele realmente pode ferir alguém na zona segura!

Parece que as coisas vão ficar complicadas...

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