webnovel

O PÁSSARO QUE NÃO CANTA

O intenso sol do verão refletido no árido e morto solo de onde outrora fora uma rica e deslumbrante floresta, mas, que agora não passa de um desolador e horrendo deserto; o vento, que antes soprara o maravilhoso, relaxante e doce odor das mais raras e belas espécies de flores, agora não faz nada além de violar seu corpo, inundando seus pulmões com um ar pútrido e fervente, causando-lhe extrema dor e agonia. Um local inóspito e proibido, aonde apenas as feras vão para findar sua existência.

 

Todavia, mesmo tal local sendo proibido aos homens, ao longe avista-se um indivíduo trajando estranhas vestes, ao menos estranhas para aquele local – roupas longas e tão claras quanto o carvão, isso sem falar em sua máscara que se assemelha a cabeça de um pássaro. As vestimentas dele tremulam, dançando ao ritmo do vento, enquanto ele segue cambaleante em direção ao sol poente, sem sequer virar sua cabeça para observar ao redor.

 

Após três dias, tal indivíduo continua vivo – o que por si só já é surpreendente tendo em vista o local – e ainda segue na mesma direção de antes, sem descansar um segundo sequer, mantendo o ritmo à sua maneira. Mas, como nem tudo são flores, principalmente na situação em que se encontra, ele se depara com seu limite, como todo ser vivo, e, simplesmente desaba ao chão devido à inanição após caminhar por três dias, perdendo a consciência ao amanhecer do quarto dia.

 

 Ao seu redor, ao menos, não é mais aquela visão horrenda e detestável do deserto mortal, mas sim, uma paisagem que chega a ser de certa forma tranquilizante, talvez inclusive a segurança que tal local passa fora o motivo do indivíduo ter finalmente se dado por vencido.

O local se assemelha a uma zona rural, com algumas árvores próximas e grama alta junto delas, com direito até a ver o sol nascendo ao longe entre as colinas, enquanto lentamente clareia o céu, ocultando a beleza noturna. É um bom lugar, com algumas casas aparentemente abandonadas a muito tempo próximas das árvores e, pelo som, há também um pequeno riacho. Todavia, após tal indivíduo vencer o deserto mortal, ele perdeu para si próprio.

 

Ao longo da estrada coberta por árvores colossais, uma cacofonia de sons ecoava: grunhidos de feras famintas, o ritmo de muitos passos, gritos que rasgavam o ar, o ranger de rodas de carruagens e o estalar de chicotes impiedosos. Essa sinfonia selvagem se misturava ao sussurro do vento, que arrastava folhas pelo chão e balançava os galhos das árvores milenares, criando uma melodia caótica que acompanhou o grupo durante todo o dia.

Desde o nascer do sol, que anunciava o início de um novo dia, até o momento em que ele se despedia, tingindo o céu com tons de laranja e dourado, essa sinfonia os acompanhou em cada passo, em cada curva da longa estrada.

 

Ao fim do dia, quando o sol finalmente se despedia do horizonte, lançando sombras longas e misteriosas sobre a terra, o grupo decide parar para descansar e montar acampamento. Sob o luar prateado, ergueram suas tendas e acenderam fogueiras, criando um oásis de paz em meio à vastidão selvagem.

 

O acampamento estava pronto, o silêncio da noite reinando absoluto, com exceção do crepitar das chamas acompanhado da melodia da fauna noturna. De repente, uma súbita mudança nos ventos traz consigo um vendaval que varre a área, agitando as folhas e fazendo as tendas tremerem. Foi nesse breve instante de mudança brusca no clima, que uma jovem, dotada de um olfato extremamente sensível, detectou algo incomum. Um odor diferente de tudo que já havia sentido em sua vida, uma fragrância intrigante e misteriosa que pairava no ar, misturando-se ao cheiro da fumaça das fogueiras e da terra úmida.

 

Curiosa e intrigada, a jovem decide afastar-se do acampamento, para assim seguir o rastro do aroma desconhecido, junto de quatro outros indivíduos que lhe serviriam com guarda e ajuda para eventuais problemas e perigos. A floresta escura os cercava, seus galhos entrelaçados formando um teto natural sobre suas cabeças. O vento soprava seus cabelos, sussurrando segredos entre as folhas, enquanto seus pés pisavam sobre o solo macio, coberto por musgo e folhas.

 

O que seria esse cheiro misterioso que a atraía? Que segredos a floresta guardava? Quais perigos a aguardavam na escuridão da noite? A jovem seguia em frente, determinada a desvendar o enigma que a fragrância representava, sem saber que seus planos estavam prestes a tomar um rumo inesperado...

 

Caminharam por mais de uma hora, ou melhor, correram, pois a empolgação da garota era incontrolável. A cada passo, a expectativa aumentava, impulsionando-os a seguir em frente. No entanto, após poucas horas, a frustração começou a tomar conta do grupo. A desistência pairava no ar, mas a jovem, ainda crente de que a recompensa estava próxima, convenceu-os a persistirem por mais um pouco ao menos, oferecendo até 25 "Filhotes da Força" (moeda de mais baixo valor, de Bronze, com a figura de um filhote de Fenrir cravado em um dos lados enquanto do outro lado há a inscrição de seu nome) para cada um, já que ela não estava autorizada a seguir sem eles.

 

E foi nesse momento crucial, após mais alguns minutos de caminhada incansável, onde os homens já haviam inclusive abdicado da pequena recompensa por segui-la e já passavam a querer regredir pelo trajeto que fizeram, que algo inesperado surgiu diante de seus olhos: em meio a uma estrada que serpenteava por entre as árvores, jazia um indivíduo inconsciente. Ao se aproximarem, a fonte do aroma inigualável se revelou: era ele, o ser misterioso que emanava o perfume intrigante.

 

A excitação da jovem atingiu um novo patamar. Jamais em sua vida havia sentido um odor tão peculiar, tão diferente de qualquer outra raça que já havia conhecido. O mistério se intensificava, abrindo um portal para um universo de perguntas sem respostas. O que era esse indivíduo? Qual a origem do cheiro inebriante? Que segredos ele guardava em seu corpo inconsciente?

 

Com o coração batendo forte no peito, a jovem se ajoelhou ao lado do ser misterioso, seus olhos fixos em sua estranha máscara que ela tentara remover porém fracassara. A busca pelo aroma a havia conduzido até ali, mas agora era hora de desvendar o enigma que ele representava.

 

"Ele.. não.. esse cheiro..", isso fora tudo o que ela pensara enquanto ajoelhada ao lado do indivíduo inconsciente.

 

A lua, coroada por um manto de estrelas cintilantes, no ponto mais alto do vasto céu, reinava de maneira majestosa, marcando a passagem da noite. Ao redor da fogueira crepitante, um grupo de pessoas conversava baixinho, suas vozes entrelaçadas com o crepitar das chamas. De repente, um movimento inesperado interrompeu a tranquilidade: o indivíduo que antes jazia inconsciente se erguia lentamente, seus braços se esticando para o alto em um gesto de alongamento. O barulho metálico das pulseiras em seus pulsos ecoou no silêncio, alertando o grupo para seu despertar.

 

Um dos homens presentes, sem hesitar, se afastou do local, como se fosse comunicar a novidade a alguém. Enquanto isso, o jovem recém-acordado observava seus pulsos com estranheza, perplexo com as pulseiras desconhecidas que adornava seus braços. Ao olhar para baixo, um susto o invadiu: suas roupas também eram diferentes, substituídas por algo que ele não reconhecia e que pareciam mais trapos do que roupas de fato.

 

Um silêncio tenso se instalou no local. Os olhares curiosos e intrigados dos presentes se fixavam no jovem, que se encontrava cada vez mais confuso e desorientado. Alguns minutos se arrastaram como a eternidade, até que o homem que havia se ausentado retornou, acompanhado por outro indivíduo.

 

Esse novo personagem era imponente: alto, musculoso e com porte de guerreiro. Vestia-se com elegância, mas sua aparência era inconfundível – um Ser-Feral lupino.

 

Ele se aproximou do jovem, parando bem à sua frente, enquanto o jovem o observava com cautela e apreensão.

 

O silêncio era quase palpável. A fogueira crepitava, mas seus sons pareciam distantes, abafados pela expectativa que pairava no ar. O que o Ser-Feral queria? O que significava essa aparição? O que era tudo isso?

 

As perguntas se acumulavam em sua mente, sem respostas à vista. A única certeza era a de que algo estava acontecendo, algo que talvez mudaria sua vida para sempre.

 

O homem, com um sorriso irônico estampado no rosto, jogou uma moeda para o outro que o acompanhara.

 

"Ora, ora, você recobrou sua consciência antes do que eu imaginava, droga...", disse ele, com um tom de voz que revelava mais irritação do que surpresa. "Bem, de qualquer maneira, me chamo Marccus e sou o atual líder da Família Loenning".

 

Após a breve auto apresentação, ele se calou, esperando uma resposta do jovem. Mas o silêncio mútuo que se seguiu fez com que seu sorriso irônico se desmanchasse dando vasão a suas sobrancelhas franzindo-se devido a irritação.

 

"Escute aqui", disse ele com sua voz já exaltada. "Em qualquer situação comum você teria sido deixado ali para morrer, está ciente disso, correto? Você só está aqui agora e recebeu um pouco de tratamento básico para sua inanição devido a ser um pedido de minha querida sobrinha, então tem certeza de que irá se manter em silêncio?", enquanto assim dizia, Marccus já levava a mão em direção a um dos bolsos de suas vestes. O gesto era ameaçador, e o jovem, ainda desorientado e confuso, não sabia como reagir.

 

O ar estava carregado de tensão. O jovem, sem saber o que fazer, apenas o observava em silêncio. O que Marccus queria? Qual era o motivo de sua hostilidade?

 

As perguntas se acumulavam em sua mente, mas ele não tinha tempo para respondê-las. A mão de Marccus estava cada vez mais próxima de seu bolso, e o jovem sabia que precisava fazer algo rápido.

 

A situação era desesperadora. O jovem precisava pensar rápido e agir com cautela. Seu destino dependia disso.

 

O jovem, preso em seus próprios pensamentos, questionava-se em silêncio: "O que são esses monstros afinal?". O medo o dominava, e a incerteza sobre o que o cercava o consumia.

 

Ele não sabia quem eram aqueles seres que o cercavam, nem quais suas intenções. A única certeza que tinha era de que estava em perigo. A máscara, fazia com que ninguém ali percebe-se seu real estado, ele estava apavorado.

 

O silêncio era ensurdecedor, quebrado apenas pelo som irregular de sua respiração. Ele tentava desesperadamente formular uma pergunta, uma palavra, um som, qualquer coisa que o ajudasse a entender o que estava acontecendo. Mas os sons se recusavam a sair de sua boca, presas em um nó de medo e ansiedade.

 

Seus olhos, arregalados e cheios de pavor, vasculhavam o ambiente em busca de pistas, de algo que lhe desse uma ideia do que esperar. Mas tudo que via era escuridão e sombras, formas indefinidas que alimentavam sua imaginação e aumentavam seu terror.

 

A cada segundo que passava, a sensação de impotência se intensificava. Ele se sentia como um animal preso em uma gaiola, sem poder escapar e sem saber o que o destino lhe reservava.

 

Em meio ao medo e à incerteza, uma única pergunta ecoava em sua mente: "O que vai acontecer comigo?". A resposta, ele ainda não sabia. Mas uma coisa era certa: ele precisava fazer algo.

 

A noite sobre o acampamento, lançando longas sombras que dançavam à luz das chamas crepitantes da fogueira. O silêncio quase palpável, quebrado apenas pelo estalar da lenha e pelo ocasional murmúrio dos insetos.

 

Em meio a esse clima de quietude, o jovem se encontrava encolhido em um canto, seus olhos arregalados de terror fixos na figura imponente de Marccus que se aproximava, são ocultos por sua máscara. O grande lupino, com seus músculos tensos e seus olhos faiscando de fúria, era uma visão aterrorizante.

 

"Então, você ainda prefere o silêncio, não é mesmo?" rosnou Marccus, sua voz grave ecoando na noite. "Bem, eu já estava precisando mesmo desabafar um pouco".

 

Com um movimento rápido, Marccus sacou de seu bolso um par de soqueiras de prata, tão polidas que reluziam à luz da fogueira.

Sem dar tempo para que o jovem reagisse, Marccus avançou, desferindo um golpe brutal contra sua máscara. O impacto foi ensurdecedor, e o jovem cambaleou para trás, atordoado pela dor.

 

"Quê? Por quê? Está tudo girando..", após o primeiro golpe, o jovem não conseguiu pensar em mais nada que não fosse isso. Em sua visão as sombras ficavam apenas maiores e mais assustadoras.

 

Marccus não parou por aí. Golpe após golpe, ele atacava a máscara do jovem, impiedosamente. Cada pancada deveria resultar em um grito de agonia, um lamento de dor que ecoando na noite, mas nem isso o jovem conseguira.

 

O jovem sequer tentava se defender, seus movimentos estavam completamente travados pela névoa que tomara sua mente. As soqueiras de prata eram implacáveis, e a cada golpe ele se sentia cada vez mais fraco, cada vez mais próximo de seu limite.

 

Marccus, exausto da longa viagem e dos poucos momentos de espancamento infrutífero, observava a máscara do jovem com frustração. Nenhum encantamento, nenhuma arma, nenhum golpe haviam conseguido sequer arranhá-la. Sua mente fervilhava em dúvidas: "O que é isso? Como é possível que ele não seja um dos Amaldiçoados?".

 

Vendo que acertar a máscara era inútil, Marccus muda seu alvo e passa a acertar o corpo do jovem, que após o primeiro golpe já foi ao chão.

Agora não se tratava mais apenas de socos, mas também de pontapés, pisões e chutes.

 

Com um suspiro de desânimo, após incontáveis golpes contra o jovem, Marccus abandonou seus ataques após ver que ele estava apenas se cansando ainda mais, e, o jovem até agora não derrubara uma gota de sangue sequer, havia apenas hematomas em sua pele.

 

Marccus, ofegante e suado, senta-se ao lado da fogueira retirando suas soqueiras que ainda estavam um pouco reluzentes, mesmo após todos aqueles golpes.

 

"Despertei em um local desconhecido, segui guiado por uma voz misteriosa que ecoava em minha mente, e, acabei de acordar em outro local desconhecido para ser espancado...", a mente do jovem se debatia em meio à dor e à confusão, buscando desesperadamente por respostas que pareciam estar além de seu alcance.

 

"O que fiz eu para merecer isso?", ele se perguntava, enquanto as imagens da cena brutal se repetiam em sua mente com ele caído ali no úmido chão.

 

O chão era duro e irregular. A única luz que o jovem enxergava era a da fogueira.

 

Mas então, com o fim da sessão de espancamento, outro indivíduo entra em cena. Uma garota que desce correndo de uma das carruagens em direção à fogueira em que eles estavam.

 

Uma voz estridente cortou o ar como um raio, quebrando o silêncio. Uma garota, com a fúria estampada em seu rosto e os olhos faiscando de raiva, se interpôs entre Marccus e o jovem estirado no chão, seus braços abertos em uma postura protetora.

Tão pontual como o relógio quebrado que acerta o horário duas vezes ao dia.

 

"Ei, você me prometeu que não faria isso tio!", ela gritou, sua voz carregada de indignação. "Você disse que não faria isso tio, eu que achei ele e você disse que eu poderia ficar com ele. Essa que é a sua palavra de mercador e honra de Ser-Feral?", ela continuou, sua voz se elevando em tom e intensidade, quase rosnando as palavras.

 

Marccus, surpreso pela súbita aparição da garota, apenas murmurou um: "Tsc, que seja". Antes de se virar e guardar suas soqueiras no bolso. Sem dar mais explicações, ele se dirigiu para uma das carruagens.

 

A garota, com a expressão ainda marcada pela indignação, se virou para o jovem. Ao contrário de Marccus, que se assemelhava a um lobo implacável, ela emanava a agilidade e a furtividade de uma Cheetah.

 

"Ei, você está bem?", ela perguntou, sua voz carregada de cuidado e preocupação.

 

"Droga, é claro que não está bem, que pergunta idiota!", ela se repreendeu, a frustração se misturando à sua preocupação. "Droga, o que faço?".

 

De repente, um som familiar interrompeu os pensamentos da garota. A barriga do jovem roncou alto, um claro sinal de fome. A garota soltou uma risada nervosa, um som inesperado em meio à seriedade da situação. "Bem, agora sei o que fazer, não é mesmo?", ela disse, um lampejo de esperança iluminando seus olhos, e, sua voz já não estava mais tão pesada quanto antes.

 

Com cuidado, ela ergueu o jovem escorando-o em seus ombros e, com passos firmes e curtos, o guiou em direção a uma pequena colina que ela havia encontrado enquanto seguia o misterioso cheiro anteriormente.

 

Ao chegarem ao topo da colina, ambos se sentaram no chão macio. A garota então retirou de sua mochila um pouco do resto da comida da noite, algumas frutas e um velho cantil com água. Sem hesitar, ela entregou tudo ao jovem dizendo: "Vamos, coma o quanto conseguir!" com um gentil sorriso estampado em sua face. O jovem por sua vez, devorou os alimentos como se fosse um animal faminto, engasgando-se ocasionalmente e bebendo água para aliviar a garganta.

 

Enquanto o jovem comia, a garota o observava em silêncio, seus olhos fixos em cada movimento que ele fazia. Havia algo nele que a intrigava, porém o que de fato era estranho para ela, era o fato de que a presença do jovem era algo que lhe trazia paz e até uma espécie de nostalgia.

 

"Ele.. Não é possível.. O que é isso afinal..?", ela estava em uma discussão interna tentando compreender o porquê da presença de alguém cujo ela nunca houvera antes visto lhe trazia tanto a sensação de preenchimento do vazio em seu peito.

 

A luz da lua banhava os pelos da garota, enquanto ela se desculpava com o jovem por tudo que havia acontecido. A culpa a consumia por ter se ausentado após ter se responsabilizado por ele.

 

"Perdão!", ela se repetia incansavelmente, sua voz carregada de remorso. "Foi tudo culpa minha, eu não deveria ter me ausentado por tanto tempo, acabei pegando no sono ainda por cima".

 

Ao observar o jovem mais de perto, Nery se deparou com algo surpreendente: em sua pele, apenas hematomas, nenhuma gota de sangue sequer. A curiosidade a dominou.

 

"Ah, sim, aliás, me chamo Nery Loenning", ela se apresentou, revelando sua ligação com Marccus, o homem que a havia usado o jovem como saco de pancadas. "Sou sobrinha dele, e sei que ele agiu de forma cruel e errônea. Então por favor, perdão!". Com cautela, Nery se inclinou, aproximando-se da máscara do jovem. "E você, como se chama?", ela perguntou ao jovem.

 

Em seguida, Nery disparou uma série de perguntas, sequer dando tempo para que o mesmo respondesse a primeira pergunta feito por ela, sua mente estava fervilhando com questionamentos. "O que você é? E essa máscara? Tentamos diversos encantamentos e selos, mas nenhum teve efeito para retirá-la. Ela resistiu até mesmo aos golpes do meu tio, um ex-comandante que já serviu ao Conselho dos Sábios", a cada pergunta sua respiração ficava mais agressiva e seu rosto se aproximava ainda mais da máscara do jovem.

 

Ela observava o jovem atentamente, seus olhos tentavam alcançar os dele por baixo da máscara, mas era impossível.

Ele por sua vez, permaneceu em silêncio, apenas comendo e bebendo, ignorando a proximidade de Nery já que não estava o atrapalhando a comer.

A frustração aumentava em Nery, mas ela não desistia.

 

Após um quarto de hora, Nery, frustrada pela falta de respostas do jovem, decidiu se deitar no chão.

A refeição terminada, ele finalmente coloca novamente a parte inferior do bico de sua máscara que retirou para alimentar-se, voltando a ocultar sua boca.

 

Em silêncio, eles permaneceram por mais um quarto de hora. O jovem, sentado, observava o céu estrelado, enquanto Nery o observava deitada, como se tentasse desvendar as linhas no silêncio dele.

 

O cheiro do jovem, uma mistura estranha e relaxante, a intrigava cada vez mais. Ela queria entender o que o tornava tão diferente e de certa forma especial, o que o levava a ser tão resistente aos golpes de seu tio e tão invulnerável aos encantamentos que tentaram retirar sua máscara.

 

Mas o jovem permanecia em silêncio, seus pensamentos e sentimentos eram um enigma indecifrável para a ela. A frustração de Nery aumentava mais a cada segundo de silêncio, mas ela sabia que não havia como forçá-lo a falar, e sequer se havia como ele falar.

 

Nery se aproximou então do jovem, com seus olhos fixos em seus movimentos, todavia ele não mexera um músculo sequer. "Bem, você terá que nos acompanhar", ela disse com firmeza. "E como já foram colocadas algemas mágicas, não é como se você pudesse evitar isso também. Fora que, pelo estado em que te encontrei, duvido que tenha alguma opção melhor de qualquer forma".

 

Ao mencionar as algemas mágicas, Nery desviou o olhar do jovem por um breve instante, cerrando suas mãos, como se estivesse disfarçando algo. "Vamos, logo que o sol nascer já partiremos e só pararemos quando chegarmos à Stall-yl, a capital do Domínio de Niggelf, onde entregaremos os produtos...", ela continuou, sua voz se tornando mais baixa e hesitante a cada palavra que saia de sua boca.

 

O jovem a observava em silêncio, por baixo de sua máscara, seus olhos cheios de perguntas. "Por que ela está agindo de tal forma? Aparentemente é diferente de seu tio, àquele lá apenas me bateu sem explicação alguma". O jovem então se põe de pé e observa seus pulsos enquanto pensa, "Então isso são algemas, é?".

 

Vendo que o jovem encarava sem próprios pulsos e sem saber qual era a expressão que ele demonstrava em sua face, Nery disse de maneira automática e involuntária, "Não se preocupe", ela disse com firmeza, tentando soar tranquilizadora. "Eu cuidarei de você. Você estará seguro comigo." Continuou ela, de maneira hesitante no fim, lembrando-se do que ele tivera de passar apenas alguns minutos atrás.

 

Mas será que ela estava falando a verdade? Nery não tinha certeza se havia como garantir a segurança dele afinal. Ela própria não sabia o que o futuro reservava, afinal, quem poderia saber? Tudo o que ela sabia é que algo mais forte que ela deseja protegê-lo, uma vontade inexplicável munida a um sentimento de dever. Enquanto em sua mente ecoava um único pensamento, "Por que eu disse tudo isso? Quem devo servir não é Ele, então por quê?".

 

Após uma caminhada, já no acampamento, o jovem se deitou junto aos produtos que eram transportados pela caravana de Marccus, buscando refúgio no sono para esquecer os acontecimentos do dia. A dor em seu corpo ainda o incomodava, mas a fadiga era maior.

 

Nery, por sua vez, se retirou para sua carruagem, buscando também o descanso. A noite havia sido longa e cheia de surpresas, e ela precisava recuperar suas energias para o dia seguinte, quando a jornada recomeçaria.

 

O silêncio pairava sobre o acampamento, quebrado apenas pelos sons da natureza. O vento sussurrava entre as árvores, enquanto os animais noturnos cantavam suas canções.

 

"Vamos recapitular, eu vaguei até não aguentar mais por aquele deserto, e depois, apanhei de graça para no fim receber comida da sobrinha de meu agressor... Como assim? Ah, que seja também, ao menos não estou mais com fome. Eu até queria ter dito algo para aquela garota, porém, ela só me perguntou coisas cujo não sei as respostas...", o jovem se manteve pensativo por alguns minutos até cair no sono.

 

Enquanto isso na carruagem de Nery.

 

Dentro da carruagem, Nery se afunda em um mar de pensamentos. O silêncio da noite é quebrado apenas pelo ranger das rodas e pelo sussurro do vento. Ela tenta em vão conciliar o sono, mas sua mente insiste em revisitar os eventos do dia anterior.

 

"Ele não disse nada.", ela repetia em voz baixa, a frustração se fazia evidente em seu tom. "Será que fui muito invasiva?", a dúvida a corroía, mas, logo em seguida ela se defende: "Afinal, quem gostaria de conversar com a sobrinha do cara que acabou de me espancar?".

 

A imagem do jovem não lhe deixava em paz. Sua máscara inquebrável, o cheiro intrigante que emana dele... tudo a deixa perplexa e curiosa. "Queria que ele tivesse me dito ao menos o seu nome.", ela suspira, "Ou ainda melhor, o que ele é..."

 

O vento então entra pela janela, trazendo com sigo o aroma peculiar que o jovem exala, invadindo seus sentidos, causando uma sensação de paz e acalmando a irritação em seu nariz. Ela nunca havia sentido algo parecido antes.

 

"Que raça pode ter um odor tão único afinal? Segundo minha mãe desde eras atrás há apenas um que nos fazia sentir calma por apenas estar próximo..", ela questiona-se, sem encontrar resposta.

 

A noite se arrasta, e Nery luta contra a insônia. Cada minuto que passa aumenta sua frustração junto de suas dúvidas. Ela deseja desvendar os mistérios que cercam o jovem, mas pareceu ser um enigma indecifrável.

 

Finalmente, os primeiros raios de sol rompem a escuridão da madrugada, banhando a carruagem com uma luz dourada. Nery observa o nascer do sol, seus olhos cansados ​​e cheios de incerteza. "Não dormi nada.", ela constata com um sorriso amargo.

 

Com o sol nascendo no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e dourado, a caravana se prepara para partir. O acampamento é desmontado com rapidez e eficiência, e logo todos estão a postos para a longa jornada que os aguarda.

 

O jovem, apesar de ter dormido ao lado dos produtos, recebe uma instrução inesperada: ele deve caminhar ao lado da carruagem principal, onde Nery e Marccus se encontram. Sem poder recusar, seus passos acompanham o ritmo da carruagem.

 

Atrás das paredes da carruagem principal, uma discussão acalorada se desenrola entre Nery e Marccus. O jovem, sem querer, escuta fragmentos desconexos da conversa, intrigando-se ainda mais com o que aconteceria com ele.

 

Algumas horas se passam, e a paisagem ao redor se transforma. As árvores dão lugar a campos abertos, e ao longe, uma cidade imponente se ergue como um gigante de pedra. Stall-yl, a capital do Domínio Niggelf, se aproxima, seu portão principal se abrindo como uma boca voraz para receber a caravana.

 

Ao chegarem ao portão, a caravana é recebida por um grupo de Elfos Negros. Seus olhos penetrantes fixam-se no jovem de aparência certamente suspeita, que se sente desconfortável sob seus olhares perscrutadores. Nery e Marccus apresentam-se como comerciantes, e ao falarem para quem era a encomenda, tiveram sua passagem liberada de forma imediata, sem mais questionamentos.