1 Prólogo

Era meia noite. Uma carreta sobrecarregada de troncos passava pelas estradas do cerrado. Se não fosse pelas luzes dos faróis, o motorista se encontraria abraçado pela escuridão. A velocidade não passava do desejado, isso porque, seu colega estava dormindo. O motorista deu graças a Deus que ele ficou com o turno da madrugada. A pessoa ao lado dele tinha muita pressa.

Deu um último gole em seu energético e diminuiu a velocidade para ascender um cigarro. Aquela era a vida de carreteiro, viajar por todo o país numa única noite, tendo como companhia um cigarro e um amigo dorminhoco. O motorista era antiquado e não gostava de usar GPS. Era justificado por todos seu anos de experiência, mas mesmo assim, caso se perdesse… Bom, um bom motorista não viaja sem crédito no celular, assim como com uma lanterna.

A carreta passava pela estrada de barro, com destino a uma madeireira no Sul do país. Era hora de repor o estoque. 

Então um Cachorro-do-mato pulou na frente da carreta, entrando na janela. O motorista levou um grande susto, quase tombando o veículo. O homem que estava dormindo acordou assustado. Os dois logo começaram a bater na cabeça do animal para afugenta-lo, que não sabiam porque diabos apareceu. Os golpes não pareciam pesar naquele crânio oco.

O motorista freiou a carreta. O animal acabou mordendo o braço do motorista, que mesmo tendo anos de carreteiro, não sabia o que fazer nessa situação, além de chamar uma ambulância.

Talvez fosse pela privação de sono, mas a resposta era obvia. Depois de muitas mordidas, ele pegou o animal pela nuca e o jogou para fora do caminhão, fazendo questão de subir o vidro. Foi um belo susto e levaram grandes mordidas. Já não podiam seguir seu caminho normalmente, tendo que chamar a ambulância ou parar no posto mais próximo.

De qualquer forma, o arco dramático daqueles dois já havia terminado. Conseguirem ou não irem para o hospital, já não era mais interessante ao leitor.

Agora… Como está o Cachorro-do-mato?

Tonto, com dificuldade de se levantar, sofreu, mas cumpriu seu objetivo… Tinha um hambúrguer gorduroso em sua boca para comer, não ele, mas sua família.

Apertou os dentes contra o sanduíche e correu pelo terreno coberto de terra. A escuridão da noite não era um problema para aquele animal… De hábitos noturnos, tinha uma ótima visão para essas situações. Mesmo machucado na cabeça. Usando seu faro, e o costume de seus instintos, partiu para sua toca, para ver sua família.

A vida dos animais que vivem entre as estradas de terra era solitária. Sua toca estava um pouco longe, então contemplar o horizonte faria o tempo correr mais rápido.

Fora da estrada de terra, os arredores eram cobertos de mato vivido. Em um piscar de olhos, o cachorro-do-mato desapareceu em seu habitat natural… A mata.

Andando, sentiu-se abraçado por seus companheiros animais. Os vaga-lumes brilhavam, os grilos cantavam. A vida daquele animal foi feliz desde seu nascimento, e mesmo sofrendo de uma dor de cabeça que não abaixava, ainda era feliz.

Achou uma bela fêmea, tiveram lindos filhotes (três fêmeas e um macho). O mais velho estava prestes a se separar do bando, um orgulho para o Cachorro-do-mato.

Seu sentimento de pai orgulhoso se tornavam maior a medida que seu filho o acompanhava nas caçadas, e fazia tudo que o pai fazia, só que melhor. Aquele Cachorro-do-mato, quase completando seu ciclo de vida, sentia a velhice pesar. 

9 anos…

16 ninhadas…

Agora seus movimentos eram de um novato. Nos seus anos incríveis, pular na janela de um caminhão e sair com a comida na boca mal levaria dois segundos. A última pancada que ele levou na cabeça foi durante seus primeiros meses de vida, quando seu finado pai o ensinou sobre esse estranho costume.

O costume que serve tanto para provar o valor de um filhote, quanto para presentear quando ele estiver entrando na adolescência. Esse era o último caso. Um costume imitado por gerações que ficou grafado no DNA daquela família de Cachorro-do-mato.

A dor de cabeça não sumia…

Ele finalmente chegou na sua toca, com sua fêmea e seus filhotes o esperando. O mais velho, para dar orgulho, estava cuidado de sua mãe e suas irmãs, permanecendo de pé.

Orgulho e inveja, emoções que qualquer pai tem quando envelhece.

Quando sua família pôde o ver… Ele chegou até seu filhote, que se tornou o alpha do pequeno grupo. Fez a reverência como um beta e entregou o sanduíche para ele.

Cansado, foi para seu lugar, se deitou ao lado de sua fêmea… E morreu dormindo. O golpe foi crítico para sua idade.

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