1 Chama que para além da caverna ilumina

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(Elfpeare) — E mesmo no pântano escarlate, onde o cheiro podre não só enjoa como também as narinas arde. Levantou-se Franco novamente em defesa da própria vida e dos demais presentes; seu heroísmo bárbaro encheu-me de lágrimas; olhos poéticos. Sua espada, recolhida por baixo das águas sujas, criou no pântano inércia. Como que abrindo mares, também partiu a criatura deforme num instante em duas partes.

Tomo um gole do hidromel para adoçar a voz que repercute pela taverna.

(Elfpeare) — Mesmo aos olhos de um humilde poeta, um elfo dramaturgo que faz outras asneiras extravagantes por aí. Devo dizer, pude perceber no ínfimo vitorioso momento, entre a inércia e o movimento, que não houve sequer uma vez tamanha explosão de sentimentos em minha vida como houve naquele instante de minuto. Então, meus respeitosos ouvintes, saúdem Franco, o jovem astuto. Aventureiro bárbaro e impiedoso com as feras como também uma fera impiedosa com a dama de cada noite que leva para cama.

(Franco) — Disse que era cântico, poesia branda para tornar-me bem falado.

(Elfpeare) — E nas línguas de serpente está o ditado. E quando cessa a ressaca o nome do mulherengo estará por toda a cidade, pois ele nos defendeu bravamente durante a viagem.

(Franco) — O problema é chamar-me de mulherengo, ó senhor de meia idade com cabelo tingido. E assim como em Monápé acabarei sendo chamado de Coelho Franco em vez de Guerreiro Franco.

(Elfpeare) — E não é mulherengo? Mas saiba que minha arte é certeira ao fazer a cabeça. O problema real é me obrigar a escrever em minhas obras, uma transcrição de seus imundos "elfo vá se foder" entre outros palavreados excruciantes. Aliás, a chacota é bem vinda quando hei de tornar tuas palavras poesia.

(Franco) — Não sou! E não é culpa minha e sim daquela valquíria que.

(Elfpeare) — Que o "amaldiçoou" e numa noite de puro consentimento você traçou todas as mulheres de sua vila.

(Franco) — Óoo, é frustrante que não existam mil formas na língua humana de te chamar por velho arrombado.

(Elfpeare) — Assim eu fico lisonjeado. Antes da minha próxima canção, adverti-lo-ei, somente hoje deixe de dormir com sequer rapariga para assim não atestar os boatos.

Repentinamente abrem-se as portas com um estrondo. Um homenzarrão com seus chifres a altura do teto entra junto a um bando. O clima antes alegre se tenciona estando todos ainda bêbados.

(Franco) — Digo aos cochichos, elfo maldito. Agora estou lascado, me tire do recinto!

(Homenzarrão) — Cadê Coelho Franco jurado de morte pelo meu chifre!? Coelho Franco aquele que traçou a minha mulher e filha.

(Bêbados) — HEYY! É CORNO MAS NÃO É MANSO! SÓ PODE ESTAR ATRÁS DUM MULHERENGO, O ÚNICO JOVEM, GUERREIRO FRANCO!

(Elfpeare) — Bêbado querer briga só me traz alegria, mas cantar assim para o diabo? Que covardia! Fale por si Franco, achei que a vila era cheia de gurias, não bovinas… misericórdia o corno atravessou a cervejaria!

(Franco) — faça algo, com o chifrudo é válido qualquer uma de suas tramoias!

Ouço o chamado do jovem virtuoso; fugitivo, mas não por covardia.

Logo saco meu livro mavioso, para meus ditos já escritos, advir além da poesia.

(Elfpeare) — E não é que dá coincidência, um fogo descontrolado vindo da cozinha fumaceia as vistas destes seres sem decência?

(Franco) — Pois abrirei a parede, assim o vento dissipa a fumaça e a saída dissipa nossa presença.

(Elfpeare) — Poupou o pobre boi e sua trupe para dedicar o golpe de espada à parede. É véro! Para a próxima poesia destacarei tua virtude!

(Franco) — Então logo monta tua égua, pois partiremos neste instante, deixando um boi raivoso, e defumado às brasas de minha reputação, para trás.

Assim se completa o primeiro ato; aproximando-nos a galopes de continuar o conto; uma história que se resguarda do começo para gerar no leitor surpresas sem preço.

2

(Elfpeare) — Então por quê? Por que desacelera e desvia do caminho? Estamos na chuva, foragidos e desprovidos de abrigo.

(Franco) — Esqueceu que o boi não está sozinho. Eu costumava caçar com os descendentes de lobos e, diferente do que pensa, a chuva fina é o nosso abrigo.

(Elfpeare) — A chuva de agora é nossa defensora? Ó destino cruel! Que eu não seja o autor dito: PREGUIÇOSO. Por depender, do acaso, do clima caridoso!

(Franco) — Abafa a voz alta, pois a chuva ainda é mansa. Na floresta, de noite, qualquer palavra é rara.

(Elfpeare) — Se não a Cidade de Pedra, para onde iremos?

(Franco) — Floresta adentro. Perceba! Há um relevo e muita água escorrendo onde estamos, é certo, existe uma colina por perto.

Preste atenção, elfo, nas árvores se marca o território de um urso, na minha opinião um ser belo.

Então teremos em alguns metros uma caverna para usar de teto.

(Elfpeare) — Vamos abrigar-nos então, confio em sua habilidade de caça.

Dito e feito, logo chegamos à entrada de proporções espaçosas.

Além de uma bela entrada, posta a um relevo avantajado e um pequeno córrego que possivelmente induziu todo o formato da caverna, ela tinha extensão desconhecida e um aroma inusitado de rosas.

(Franco) — por que trazer lenha molhada? Use uma de suas magias nada concisas.

(Elfpeare) — Vou usar magia, mas não antes de te ensinar uma das regras da vida.

A mana, água da magia, nos circula assim como a água da vida.

Porém, muitas vezes como na natureza consta, a mana não se encontra dissoluta, mas poluída.

Então, evite a intoxicação, evite que seu corpo pereça.

Digo enquanto escrevo, chamando os espíritos da metafísica; aquilo que age de forma invisível:

(Elfpeare) — Se mesmo em chuva florestas se incendeiam e madeira também nasce da água, então a lenha molhada igualmente é seca, e portanto inflamável; assim como sempre escrevo palavras em atrito com a realidade de forma amável.

O atrito forma fumaça e fogo, seja como uma floresta sinalizando pedido de socorro ou como uma pequenina fogueira cedendo conchego.

(Franco) — O que é pior, a umidade evaporar da madeira ou um elfo que já foi escoteiro? Evapore a umidade de nós também!

(Elfpeare) — Mas veja bem, estamos sempre cheio de água, mas não queremos ficar sedentos.

Minha magia, meu livro divino e opostamente vulgar, carrega um peso enorme e distinto. Não usaria de forma leviana.

(Franco) — Considerasse uma compensação pelos danos a minha imagem!

(Elfpeare) — A sua imagem já estava destruída para aqueles que te procuraram, que com ódio, da sua vila partiram em viagem.

Um rugido ecoou pela caverna sem nenhum pingo de boas vindas.

(Elfpeare) — Hora boa para uma refeição. Vá Franco, derrote o urso para nos deliciarmos com a sua carne exótica!

(Franco) — Acalme os cavalos, elfo!

Esse rugido não foi de urso, ao menos eles não são bestas tão excêntricas.

Franco sacou sua espada, destemido.

(Franco) — Está perto!

Rah!! Ser maldito!

Das profundezas da caverna surgiu um golpe imperceptível, golpe pela escuridão, corrompido.

E provando da lâmina que com agilidade derrotou muitos monstros, o golpe foi repelido.

Franco, sem deixar barato, atacou o ser no vazio, dependendo do instinto.

(Franco) — Eu o acertei, mas não há nada, nem sangue, nem carne.

(Elfpeare) — Só um aroma de rosas. Criatura tenebrosa!

(Franco) — Mesmo trocando mais golpes, eu posso saber o tamanho de suas garras, posso saber o peso de seus golpes, mas ele não mostra por nada o seu rosto.

(Elfpeare) — Deve ser feio que dói!

Oh? Um momento, ele deve temer a luz. Esconde-se para não morrermos de desgosto.

Franco retrocede para perto da fogueira.

(Franco) — O que faremos?

(Elfpeare) — Sinta-se lisonjeado, pois usará da mesma tinta que escrevo com minha caneta.

A espada, embebida em tinta, logo se inflamou com a chama, nossa protetora.

(Elfpeare) — Na escuridão só reside o vazio, Franco. O vazio não tem forma, é intangível. Por isso, nosso inimigo é invencível, ele não existe, ele foi esquecido!

Agora vá! Vá e com o brilho da tinta em combustão, de forma a ele, o reviva, espante o véu sombrio do ser desconhecido.

(Franco) — Vou libertá-lo, criatura, para assim acabar com tua vida sofrida!

Antes de se iniciar a revelação, preparei um pouco de magia para não ficar de mãos vazias.

Franco brandiu a lâmina para espantar a escuridão, assim, o córrego e suas veias se incendiaram numa cor vívida.

(Elfpeare) — Meus olhos estão mentindo?

(Franco) — É uma quimera!

Uma quimera, uma autêntica quimera, com diferentes partes de corpos diferentes. Começando pela cabeça de tigre Branco, há uma de bode, touro e cervo. Além das quatro patas de algum outro felino, possui uma asa, e um braço do tigre próximo às cabeças. Sua cauda, sendo unicamente a de um escorpião do deserto dos países de Ganash me surpreendeu por ser de tão longe.

Mas a fera não se destacou principalmente pelas partes animais, pois rosas se costuraram entre cada tecido.

(Elfpeare) — Que criatura magnífica!

(Franco) — então troquemos de turno, elfo acovardado!

A espada incendiada agora nem mete mais medo.

Conforme os golpes, apenas Franco acaba por se ferindo.

(Franco) — Elfo, onde eu corto apenas flores desabrocham.

(Elfpeare) — Com a criatura do pântano fora apenas golpe de sorte? Para seres esquisitos, bizarros, não só se corta a carne, como também a alma!

(Franco) — Minha espada não solta purpurina como vocês magos, no momento só tem uma bela chama!

(Elfpeare) — Continue vigoroso companheiro!

Algo inesperado vindo de tal aventureiro.

Logo, abro um espaço em meu livro, para além da história armazenar um feitiço.

(Elfpeare) — Uma criatura que, a não morrer, foi incumbida, resultado de magia.

Se uma espada flamejante não te livra da vida, só nos resta feitiçaria.

Vá Franco, corte a partir da carne, as correntes da tormenta com sua espada agora em chamas cor de anil.

O mesmo, agilmente partiu a cauda de escorpião e com a mudança da chama em sua espada para o azul anil, rasgou a besta do torso até suas últimas cabeças.

Com tamanha graciosidade no golpe, a fera caiu, com sua alma sendo levada pelas chamas que para além desta extensa caverna ilumina.

(Franco) — Ganhemo! Deixe-me sentar.

(Elfpeare) — Sim, ganhemo! Temos todo tipo de carne para o nosso banquete e um puta troféu para vender, devo dizer; foram quatro cabeças com uma cajadada só.

Agora vamos nos alimentar, para depois dar fim às minhas anotações.

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