22 Você Tem Um Amigo em Mim

Saito pegou Haruki de surpresa ao beijar seus lábios de maneira exageradamente sonora. Um selinho, na verdade.

"...?!" Haruki piscou atordoado.

O aventureiro soltou a mão que segurava prendendo a nuca do cantor para bagunçar os cabelos do garoto com carinho fraterno.

Saito falou com um sorriso forçado, "Hinata-kun pode ser o mais novo aqui. Mas é você o mais ingênuo. Eu vou cuidar para que você se mantenha imaculado. É minha promessa Haruki. Eu vou te proteger."

O cantor que ainda estava surpreso pelo selinho ficou sem palavras ao ouvir as juras do aventureiro.

Ele não sentiu como sendo um elogio. Saber que Saito pensava nele como 'O Inocente' do grupo era preocupante. Mesmo porque na opinião do cantor isto estava muito longe de ser verdade.

O olhar duro e frio de Saito era sua marca de um homem que conquistou tudo o que quis na vida. Esse olhar sem emoções arrepiou cada pelo do corpo de Haruki que não se deixou levar por sua voz mansa.

Antes que Haruki respondesse às juras de Saito, ele já tinha se levantado e ido para o banheiro.

E sem realmente querer continuar essa conversa maluca Haruki saiu do quarto e foi usar o vestiário para fazer sua higiene matinal ainda impressionado com o que havia acontecido.

Ao descer para a cozinha, encontrou Takashi tomando o café da manhã na copa. A mesa parecia uma cena de filme com várias comidas e bebidas à disposição do grupo. Haruki fez uma refeição reforçada, comendo sem pensar no amanhã e recuperando sua boa disposição.

Takashi que o observava riu,"Você vive de dieta no mundo real, não é?"

"Uhum, mas aqui eu não preciso me preocupar, não é mesmo?!" Haruki respondeu enquanto mastigava um pão doce."Takashi qual é a sua prioridade? O que eu devo negociar com Honda-san para você? Para você é importante que sua família seja avisada de onde você está?" O cantor decidiu perguntar para todos do grupo quais eram suas prioridades para saber como agir em negociações futuras.

O pintor ficou pensativo antes de dizer, "Podemos conversar sobre o que preciso, mas prefiro que seja em um ambiente mais reservado." Takashi era muito discreto.

Haruki concordou.

Neste momento, Jun e Saito chegaram juntos à cozinha, o que foi engraçado. Eles vinham se esbarrando, sem nenhum dos dois ceder espaço para o outro. Saito conseguiu ser mais rápido e pegar o lugar vago ao lado do cantor.

Jun sentou-se à sua frente.

Haruki deu bom dia a Jun fingindo não ter visto a disputa deles. E continuou sua conversa com o pintor, "Então podemos sair para correr, Takashi." Haruki comeu rápido o resto do pão em sua mão. "Eu já terminei." Era óbvio que o convite não incluía os recém-chegados.

O artista plástico se levantou e eles saíram juntos, enquanto Haruki ria internamente da cara que os dois fizeram ao serem deixados sozinhos.

Na praia, longe dos ouvidos dos demais Takashi perguntou,"Haruki, será que você conseguiria com seu amigo, o ilustrador, algum remédio contra depressão e ansiedade?" A voz de Takashi não era mais que um murmúrio envergonhado.

O cantor compreendeu várias coisas nesse momento. Mesmo assim ele não quis generalizar a história pessoal de Takashi. Então perguntou para conhecer melhor o artista, "Sim, vou pedir. E para Honda-san eu não devo falar nada sobre esse assunto?"

Haruki caminhava em direção às rochas, pois se lembrou ser lá em cima que Takashi se sentiu livre para conversar na primeira vez.

E ele estava certo, ao chegarem no mesmo lugar onde se deitaram para olhar o céu, Takashi voltou a falar. "Ainda não. Prefiro que 'eles' não saibam, a não ser que eu tenha uma crise. E sobre a minha família... Hoje eu estou afastado deles e prefiro manter assim, meus pais se separaram quando eu era criança. Meu pai ia me visitar no começo, depois ele se mudou e ainda ia me ver às vezes, então conheceu sua atual esposa. Minha mãe voltou a trabalhar e conheceu um homem ocidental," Takashi olhava o mar, sua voz agradável passou a falhar e ele parou de falar.

"Você não precisa me contar nada Takashi," o cantor conhecia histórias com peso trágico. Ele vivia na indústria do entretenimento há cinco anos.

Takashi o encarou, "Eu sei, faz muito tempo que eu não confio em alguém para contar. Você me passa essa segurança, Haruki."

O artista plástico se deitou na rocha, voltando a contar como sua vida foi marcada pela entrada do padrasto. "Ele no começo era bom para nós. Ele assumiu as responsabilidades e minha mãe pode parar de trabalhar. Ela estava muito feliz e nossa condição social melhorou bastante. Meus avós o aprovaram e eles se casaram. Logo depois do casamento ele quis voltar para seu país. E nós fomos com ele. A vida era confortável, ele era um homem importante e mimava minha mãe, e ela passou a ter uma agenda agitada de socialite. Ele era perfeito aos olhos de todos." Takashi olhava para o céu, ali sempre tão lindo.

O cantor sabia sem que o amigo precisasse falar o que estava por trás de uma história quase perfeita.

Mudando de assunto, Takashi começou a descrever as técnicas de pintura para conseguir esse efeito no céu.

Mas nessa parte Haruki não estava prestando atenção. A mente do cantor estava ocupada preenchendo as entrelinhas da história. Haruki perguntou, encorajando Takashi a continuar, "Como você conseguiu se desvencilhar daquele verme?"

"Quando me tornei adolescente. Um professor percebeu o que eu estava passando, e me apoiou a fazer a denúncia. Minha mãe nunca acreditou em minha história, e por causa de seu depoimento ele não foi preso e ela não fala mais comigo. Eu saí de sua casa e voltei para viver com minha avó. Meu pai preferiu não se envolver em meus assuntos pois ele não podia perturbar sua nova família, me levando para sua casa. Minha avó ficou do meu lado, mesmo depois que sua filha ameaçou cortar relações com ela se ela me abrigasse. Elas ficaram sem se falar por anos. Era apenas minha avó e eu, meu avô tinha falecido. E eu queria morrer, fiz terapia por anos. Foi nas artes que eu reencontrei a vontade de viver."

O pintor usava de técnicas respiratórias para se manter aparentemente calmo.

Haruki imaginava a dor que ele deveria estar sentindo ao relembrar os abusos do padrasto e a negligência de sua mãe.

Takashi voltou a falar, "Ele a abandonou e pediu a separação no dia em que eu saí de sua casa. Ele me procurou dizendo que me perdoaria de tudo se eu voltasse para ele." Sua respiração suave e constante, revelava para o cantor muita técnica. Takashi voltou a se sentar encarando Haruki. " Sabe o que foi pior? Eu pensei em voltar, eu estava apavorado. Não queria ficar sozinho no mundo, como Jun-san cresceu. Mas eu não suportava mais viver daquele jeito." Os olhos de Takashi estavam vermelhos.

Haruki o abraçou forte, "Você não está mais sozinho Takashi. Aqui e lá fora você tem minha amizade, conte comigo!"

Eles ficaram abraçados até Takashi chorar todas as lágrimas que ele vinha contendo e se acalmar.

"Sua avó parece ser uma mulher incrível …" Haruki estava falando, mas foi interrompido pelo pintor.

"Minha avó morreu no último inverno. Hoje sou próximo apenas de minha noiva e de sua família."

"Ooh Takashi! Eu lamento muito," Haruki o abraçou novamente.

"Eu estou bem há dois anos, mas não sei como vai ser se continuarmos aqui por mais tempo." Takashi revelou seu pior temor. Ele tinha contado sua história, aberto seu coração para o cantor.

"Eu não vou flertar com Miyu-chan. Não aceito ser pressionado como estamos sendo aqui para cortejá-la. Estou me sentindo um objeto sexual de novo." Havia tanto desespero em sua voz.

E Haruki compreendeu que Takashi contou não por querer se abrir, mas por precaução de sofrer uma crise. "Estamos juntos Takashi, ninguém vai te forçar. Vou manter teu segredo. E pensar em um plano para que ninguém seja submetido a este papel. Ninguém aqui será um brinquedo." O cantor prometeu, agora era ele a querer proteger alguém como Saito tinha feito no quarto.

"Haruki eu preciso confessar que ao vê-lo pela primeira vez não o tive em alta conta. Pensei que você seria uma versão esportiva de Hinata-kun. De todos, você é quem mais me surpreendeu por seu otimismo, por sua generosidade. Nem na Europa eu conheci ninguém tão afetuoso." Takashi se rasgou em elogios ao garoto a sua frente.

"Ooh não é assim. Vamos lá! Dê outra chance ao Hinata-kun. Vocês sofreram mais por terem sido os primeiros a chegarem. Pense como foi para ele ficar aqui sozinho. Sem saber o que havia acontecido. Sem saber por quanto tempo. Enfim, sabe-se lá o que ele pensou e sofreu," Haruki falou em tom conciliatório. E depois de refletir um pouco nas palavras de Takashi ele continuou, "Obrigado. Sabe, não é muita gente que gosta da minha mania de tocar nas pessoas. Por isso eu tento evitar. Eu era assim no colégio com meus amigos de time. E depois como trainee a gente era incentivado a se conhecer, a se tocar. Para poder explorar o corpo em palco. Mas, se eu me passar e te chatear, é só me dar um cutucão, okay?"

Ele pediu, ao perceber que em sua exacerbada empatia tinha abraçado Takashi sem sua permissão por duas vezes. Ele também tinha abraçado Saito na cama. Até dormindo Haruki havia perturbado o aventureiro.

Talvez tenha sido este seu comportamento que deu abertura ao aventureiro para beijá-lo, o cantor reconheceu sua culpa.

"Você não me chateou Haruki. Eu gostei dos abraços. Obrigado," Takashi sorria. Era um sorriso tímido e lindo.

Haruki então pensou em algo alegre para reunir a todos em uma atividade para passar o tempo e distrair seu novo amigo depois de relembrar tantas coisas dolorosas.

"Ei Takashi, que tal jogarmos beisebol?!" Haruki perguntou esperançoso, mas vendo a cara engraçada de Takashi soube que precisaria ser mais convincente."Uhm hum hum," o cantor passou a ser realmente um garoto fofo kawaii, e até cantou um refrão de uma música de John Lennon pedindo para Takashi ficar com ele.

"Hahaha, okay, eu ficarei com você, vamos jogar beisebol," Takashi se animou entrando na brincadeira e parecendo ou fingindo estar feliz inspirado pela alegria e bom humor do cantor.

Com um pouco mais de trabalho e muita persuasão eles conseguiram que os outros homens entrassem participassem do jogo. E com instrumentos improvisados começaram a partida.

Jun e Haruki eram bons, mas os outros um desastre tão grande que a competição virou a festa dos acidentes absurdos.

Hinata ao tentar rebater uma bola, lançou o taco que voou direto para a vidraça, a quebrando. Eles viram o vidro virar uma chuva de cacos.

Esse teria sido um bom momento para o grupo desistir do jogo, mas estavam se divertindo tanto que ousaram continuar.

E na primeira vez que Daisuke conseguiu lançar uma boa bola para Haruki rebater, Miyu-chan aparece do nada!

A bola fez uma parábola no ar, caindo na cabeça da garota desavisada.

avataravatar
Next chapter