1 O Jovem Bastardo

Deitado na grama sinto meus musculos desistirem, minha cabeça dói como nunca antes, olho para cima com a visão levemente turva, uma pancada me acertou, pareceu mais com uma pedra.

Me aguardando está Durin, meu mestre de espadas, sempre com sua feição dura, sua espada na bainha, o treinamento se encerrou, novamente derrotado, como em todas a vezes que lutei, as vezes imagino que não nasci para lutar com espadas. Mas como dizer isso para meu pai, ou mesmo minha família, afinal essa arte está em nosso sangue, ou melhor em parte do meu sangue, a outra parte eu não faço ideia.

Tento mover meu corpo, mas nada acontece. Dessa vez a dor é muito intensa, não há sangue nem nada do tipo, apenas dor, agoniante, latejante, pense em qualquer outra palavra para descrevê-la. Uma de nossas criadas vem até mim, com algumas palavras ela realiza uma magia de cura, algo simples para aliviar a dor e devolver meu vigor. Finalmente consigo levantar.

Estou no jardim de nossa casa, um grande espaço perfeito para treinamentos. Consigo ver claramente como percorreu nosso pequeno confronto, tentei atacá-lo algumas vezes, perdi o equilíbrio nas partes mais úmidas da terra, cambaleando ele me acertou a primeira vez, e depois não cessou, mas quem faz isso com um jovem de doze anos?

"Podemos agora encerrar nosso treino meu jovem" diz meu pai olhando a distância em sua cadeira de rodas, sempre sorridente, eu sorrio de volta mas sem muita felicidade, Durin se aproxima e coloca sua mão em meu ombro.

"Você está melhor devo admitir, mas ainda impulsivo Marthin, avalie seus arredores e use ao seu favor, só assim pode tentar vencer seu oponente"

"Eu entendo isso, é só que toda vez que faço isso sou atacado de surpresa, não tenho tempo para pensar claramente"

"Em um combate não terá tempo, seu oponente não o deixará ter uma vantagem sequer"

"Eu sei mestre, mesmo asssim, como posso melhorar se nem mesmo o básico eu consigo aprender"

"É necessário tempo, seja paciente"

Eu guardo a espada de madeira, ainda sinto um pouco da dor em meus pés, sendo difícil locomover, Durin me auxilia a guardar os materiais que utilizamos.

Apesar de mais velho, eu tenho quase sua altura, anões, um povo interessante, sempre brutos e fortes, seus corpos feitos para aguentar intensos climas e perigos, porém baixos.

Durin, mesmo se portando como um duro e rígido mestre, na verdade é uma pessoa bem tranquila e amigável, além de querer sempre falar de suas qualidades, como pe forte e poderoso, que a pessoa que um dia o derrotar será o maior espadachim do mundo.

"Me ajude a colocar os bonecos no armário"

"Durin, acha que posso me tornar mesmo um espadachim do seu nível?"

"Que pergunta é essa meu garot, claro que sim, todos podem se tornar um espadachim de nível imperial, mas se não chegar a esse nível, um espadachim de nível real ou mesmo especialista é suficientemente forte para sobreviver nas masmorras e aventuras no mundo"

"Sim, é só que, comparado a meus irmãos, parece que estou para trás, quero dizer, Elliot já era especialista com minha idade, Thomas um aprendiz e Becca nem precisou de esforço para se tornar espadachim de nível real, nem mesmo o capitão da guarda consegue encostar nela"

"Seus irmãos são mesmo incríveis, mas não são você, não se compare a eles e sim a si mesmo, quando começou mal conseguia segurar uma espada, e veja agora, ainda tem falhas mas consegue segurar alguns de meus ataques"

"Ainda assim, como posso honrar minha família com este desempenho horrível"

Durin me olhou, dessa vez não com sua expressão rígida de sempre, seus olhos mais amigáveis e brilhantes. Abrindo um sorriso caridoso ele ficou ajoelhado de frente para mim.

"Olhe, sei que deve ser difícil, ser diferente, mas não significa que deve se cobrar, você tem o sangue de seu pai, mesmo que duquesa Brinna não seje sua mãe"

"Sim, mas eu preciso ser forte, não quero continuar a ser apenas conhecido como o bastardo da família Gray-Alexander, ou o maior erro do duque"

"Aqueles que falam isso para você são fracos, entenda algo Marthin, este mundo pode ser cruel as vezes mas há muita beleza, veja você por exemplo"

"O que tenho de belo?"

"Um cabelo de puro azul, olhos calmos e um sorriso quente" uma voz ao fundo disse para mim, duquesa Brinna, ela estava com um vestido verde, o símbolo de nossa família em um broche preso a seu peito.

Eu e Durin lhe fizemos uma reverência, com um gesto de sua mão ela pediu para meu mestre se levantar, terminando de guardar os objetos nos retiramos da pequena sala ao fundo do jardim.

"Vamos garoto, estamos esperando para podermos comer algo"

"Claro duquesa" fiz outra reverência.

A duquesa se retirou com suas damas de companhia, para trás estava eu e Durin novamente, me sentei em uma pequena cama de feno para descansar um pouco meu corpo, meu mestre se sentou ao meu lado.

"É bom não é mesmo"

"O que mestre?"

"Apenas sentar, observar esse ambiente, essa paz, quem diria que doze anos atrás estávamos em guerra, parece que ninguém mais se lembra do glorioso reino que um dia foi"

"Eu nunca pude vê-lo"

"Sim, não era muito diferente do ducado de agora, talvez tínhamos mais orgulho, de termos um rei próximo a seus súditos"

"Acredito que o Rei Monrad está fazendo o máximo que pode"

"Penso que sim também garoto, mas não paro de pensar em algo"

"O que meu mestre?"

"Que um dia essa paz que sentimos irá acabar rapidamente, bom é só uma sensação, nada para se pensar, você ainda é nvo para se precupar com algo assim"

A conversa tomou um tom mais sério, Durin não mais com um sorriso em seu rosto, eu prontamente tentei quebrar o joelho com um soco em seu ombro, mas só consegui machucar os dedos. Pelo menos o grande espadachim esboçou um sorriso com isso.

Me levantei e caminhei em direção a porta do jardim, uma grande peça feita com metal e vidros, dela posso ver a cozinha com os empregados e a mesa de nossas refeições, minhas irmãs mais novas correndo ao redor, com as amas atrás tentando segurá-las.

Meu pai colocado em uma das pontas, Thomas ao seu lado esquerdo, duquesa Brinna a sua direita, depois vinha Becca ao lado da duquesa, uma cadeira ao lado dela ainda vazia, Lynn junta de Thomas e as gêmeas sentadas juntas das amas.

Retirei a leve armadura de couro, uma das empregadas me trouxe uma toalha úmida, rapidamente limpei a poeira de meu rosto, mãos e da roupa branca que vestia por baixo, não que ajudou muito. Retirei as botas com certa dificuldade, entrei na casa sendo recebido por um ótimo cheiro de carnes assadas, batatas e frutas secas.

Becca se levantou e retirou a cadeira para eu me sentar ao seu lado na mesa, também limpou um pouco do meu cabelo azul, Sylvia e Ailin continuavam tentando bater uma na outra, duquesa as olhou com repúdio, nada se podia fazer, as gêmeas não conseguiam se entender nunca.

"Então, ainda não conseguiu derrotar o velho?" disse Thomas desviando o assunto para uma conversa em família.

"Ele ainda é jovem, não se pode esperar que faça além do que é capaz para sua idade, nem mesmo você conseguia derrotá-lo" respondeu Becca me defendendo.

"Ainda assim eu era melhor do que ele"

"E ainda assim com sua idade é um mero especialista não?" Thomas apenas engoliu seco, Becca é minha irmã mais velha, sempre uma protetora comigo, desde pequeno ajudou a duquesa a cuidar de mim, enquanto Thomas e Elliot preferiam apenas ignorar minha completa existência.

"Talvez, ele se torne um espadchim de nível real antes mesmo de você, quem sabe até derrote Durin" ela completou enquanto se preparava para servir um pouco de porco assado em seu prato.

"Eu acho que Thomas está certo, ainda não sou bom suficiente"

"Não deixe o idiota ali te colocar para baixo, ele nem mesmo consegue manter a guarda alta para salvar a própria vida"

"Ei! quer ir lá fora me enfrentar?"

"Você pode tentar, mas sabe que não irá nem mesmo conseguir desferir um golpe sequer"

"Por favor, deixem dessas tolices, já basta as gêmeas brigarem todo dia, não preciso de forçar as empregadas a curar braços quebrados por disputas bestas entre irmãos" interviu duquesa Brinna enquanto Becca espetava violentamente um pedaço da carne, Thomas fez uma careta e voltou a concentrar em seu prato.

"Bom, Becca iria vencer" disse meu pai sorrindo, a duquesa apenas olhou com reporvação, ele parecia estar se divertindo com a ideia em seus pensamentos, Becca é minha irmã mais talentosa, tudo que propõe em fazer ela realiza com excelência, Thomas é um pouco estúpido, um mulherengo também, normal para homem de 17 anos. Nessa idade ele já deveria ter uma esposa, mas adora cortejar todas as mulheres do reino,'o que posso dizer, eu amo as mulheres e elas amam a mim', geralmente ele diz coisas deste tipo.

Por fim tem Elliot, sempre o mais centrado da família, ele agora se senta no conselho dos nobres, sempre nos visitando a cada quinze dias geralmente, meu pai está muito doente para viajar grandes distâncias para a capital, assim ele mantêm nossa relações com a coroa, e parece estar esperando o nascimento de seu primeiro filho ou filha.

Começo a comer um pouco do porco, a carne está suculenta e saborosa, eu a devoro como se fosse meu último prato da vida, não gosto muito da frutas ou das batatas, na verdade, nunca fui de comer nada muito além de carne.

A duquesa coloca um pouco da batatas em meu prato, 'você deve comer para se fortalcer' ela diz como incentivo, mas só consegue arracar um pequeno riso de Thomas e Lynn, ela prontamente os repreende com um olhar penetrante, eu como, o gosto é estranho, como se não ouvesse sabor, mesmo que eu consiga ver alguns cristais de sal encorstados na pele.

"Então Lynn, como andam as aulas com a instrutora Bromswick?"

"A mesma chatice de sempre"

"Não fale assim garotinha" meu pai a repreende rapidamente enquanto tenta colocar outra garfada de comida na boca.

"Mas é verdade, não quero saber sobre a história da família real, que lorde e lady se casou, quantos filhos tiveram, quero saber sobre os elfos e o reino além do véu"

"Fantasias são para crianças pequenas, agora está na hora de entender sobre a corte, culturas, dialetos e como agradar um nobre nortenho ou então um comerciante das terras além-mar"

"Mas é tão chato, eu gostava quando podíamos ler os livros da sua biblioteca, ou quando você contava histórias do vovô para dormir"

"Elas sempre foram minhas favoritas" eu disse completando a fala de Lynn, sim regras de etiqueta, cultura, relações políticas são horríveis de estidar, imagina ter energia para correr, pular, lutar com espadas, mas ficar sentado em uma sala sozinho com uma bruxa, não literalmente, apenas uma velha que se você piscar no momento errado irá bater em você com uma pequena vara de carvalho.

"Sim, o avô de vocês era incrível, mas passamos desta fase, agora devem começar a enteder como funciona o reino, especialmente nosso ducado, os lordes nos observam atentamente, afinal ainda temos autoridade sobre nossas terras, devemos provar que podemos mantê-las sem intervenção da coroa"

"Sim pai" respondo enquanto termino de comer meu porco, tento deixar as batatas de lado, mas Becca me dá um leve ponta pé por baixo da mesa, então me esforço para comê-las, tomo um pouco do refresco que foi preparado, suave e refrescante para o verão que teremos pela frente.

"Pai, o senhor poderia me deixar ir na biblioteca hoje?"

"Mas é claro, tenho que ver alguns documentos também, então pode ficar lá comigo"

"Não é justo, eu queria ir lá" protestou Lynn

"Você garotinha vai me acompanhar nas compras, Becca e eu temos que comprar algumas coisas para o encontro da nobreza" a duquesa respondeu, Lynn nada pode fazer a não ser abaixar a cabeça e aceitar a exigência de sua mãe.

"Agora terminem seus pratos" ordenou meu pai e assim todos fizemos, com excessão das gêmeas.

...

Algumas horas após as refeições subi para o escritório de meu pai, uma sala no fim do corredor, fácil de ser identificada devido a suas portas de madeira trabalhadas e adornadas com diversas esmeraldas.

Devido a sua condição, normalmente um dos guardas de nossa casa costuma carregá-lo enquanto outro carrega sua cadeira e alguns papéis. Apesar de meu irmão sentar no conselho, meu pai sempre está em dia com as discussões entre os nobres.

Eu caminho pelo corredor, cada porta neste andar é o quarto de um dos dilhos, o meu sendo o mais distantes do restante, por motivos óbvios. Mesmo assim, eu decidi continuar naquele quarto, até porque prefiro ter paz para ler e pensar sobre meu dia.

Os quartos são distribuidos em sequencia de idade, com os mais novos mais próximos do escritório e do quarto do duque e duquesa. Chegando ao escritório, e também biblioteca, escuto algumas vozes a distância. Uma claramente reconhecida é a de meu pai, como sempre um tom empoderado porém fraco nos dias atuais.

Junto dele escuto outra voz, essa mais estranha, rouca e levemente grossa, eu paro diante da porta, não a abro, talvez por ser o certo a se fazer, mas mais por uma estranha sensação. Meu corpo se tensiona, como se meus braços se enrijececem subitamente, me paraliso por um tempo, então escuto com mais clareza as vozes.

"Ele ainda não está pronto, nem mesmo parece ter alguma mana no corpo"

"Edmund, conversamos sobre isso, mana não é algo simples de sentir"

"Nem mesmo Durin sente, e não há ninguém melhor que ele para tal"

"Quero que me entenda de uma vez por todas, deixe-me treiná-lo, alguém como Marthin não pode descobrir tal arte por si próprio, deve ter um guia e mentor"

"Se você acredita nisto Faye, não há motivos para duvidar, apenas, deixe-o um tempo livre, para saber se irá despertar"

"Não porque eu discordar Edmund, deveria dizer que mais cedo melhor, mas ele é seu filho e esta é sua casa, se me der licença estarei me retirando agora"

Não consigo enteder o que diziam, as vozes apesar de em alguns momentos claras, em outros pareciam estar distantes, ou em outro idioma, um com o qual não estou acostumado.

A porta se abre, sinto um medo crescer em minha espinha, começo a suar frio, e finalmente avisto a figura que estava dentro da sala. Uma elfa, suas orelhas pontudas, seu cabelo flamejante, olhos me avistam ao sair da sala, temos quase a mesma altura.

Ela levanta um pouco seu olhar para mim, deixando um leve e assutador sorriso em seu rosto, apenas acena com sua cabeça. Com este gesto finalmente percebo o que é, uma maga. Em seu braço esquerdo carrega um cajado, feito de madeira de alguma árvore que não conheço, próxima a sua cabeça na extremidade superior do artefato, há um cristal preso por pedaços metálicos flutuantes em quatro pontos, dois acima e dois abaixo.

Ela coloca um chapéu em sua cabeça, cobrindo os longos cabelos e parte de seu rosto jovial. Muitos elfos tendem a viver por milhares de anos, mantendo sempre aparências jovens, ela, apesar de ter a mesma característica, não consegue escoder uma elevada idade através de sua voz.

"Há, você deve ser o bastardo, ouvi muito a seu respeito, afinal nem todos possuem a característica de serem o pecado do honrado duque de Torrant"

As palavras machucaram meu ser, senti como se facas fossem atiradas em meu coração e minhas costas, ela soltou um pequeno riso diante de sua fala enquanto continuou andando escada abaixo.

O escritório estava agora aberto, as diversas estantes com tomos e livros. Meu pai sentado agora em uma poltrona confortável em sua mesa, me olhou com surpresa, mas depois relaxou um pouco enquanto folheava um enorme livro de capa preta.

As letras nele soavam estranhas, diversos símbolos que se uniam para formar palavras e frases, não conseguia dicernir como, mas ele era capaz de interpretá-las com excelência.

Nada me disse ao entrar, apenas continuou a ler seu livro como se ninguém se quer estivesse presente momentos antes. Então mantive a mesma rotina que tenho todos os dias ali, fui a uma das prateleiras mais distantes.

Nelas geralmente estão as histórias mais divertidas e empolgantes, sobre grandes heróis, mitos e lendas do mundo, coisas que me divertem quando estou sozinho. Posso rir por horas, sorrir, ficar triste e querer me apaixonar como os protagonistas.

"Vai escolher qual dessa vez?" meu pai pergunta sem retirar os olhos de sua papelada.

"Ainda não sei, algo diferente de Sir Jameson, ou dos quinze cavaleiros da ordem dourada"

"Bom, conhce as normas, nada de usar as parteleiras do quarto secreto"

"Eu sei pai, não vai acontecer de novo"

"A última vez você não conseguiu dormir por quatro dias, achando que um espectro iria te matar"

"Eu.... lembro bem" digo engolindo um pouco do medo que ainda sinto para com aquela história.

Começo a vasculhar por entre as prateleiras, capas da mais diversas cores podem ser vistas, geralmente a cor define o gênero de cada história. Vermelho para grandes épicos, azul para romances, verde para contos e pequenas batalhas.

Preto, bom não toco nas capas pretas, geralmente envolvem hsitórias mais adultas, ou macabras, então procuro permancer longe delas. Mas depois do último incidente elas foram guardas em uma pequena salinha no fundo do escritório.

Passo meus dedos por alguns dos livros, nada parece chamar muito minha atençao. Já li a maioria deles, então rpetir seria uma opção, mas sinto não estar procurando isto no momento.

Nada vem a minha mente, nenhum título que me empolgue, ou gênero que possa me entrenter neste momento. Não é que eu esteja entediado nem nada, apenas desapontado novamente com a forma que lutei hoje, quero tirar isso de minha mente por um tempo.

Então um livro finalmente parecer me atrair, é como se sentisse algo de especial nele, uma força ou algo assim, não sei bem como, há uma espécie de eletricidade, cada vez me puxando mais para perto.

Pego em minhas mãos, é um pesado tomo, suas páginas amareladas pelo uso, a capa inelegível, sua cor é marrom, mas deveria ser um verde antigamente, ao abrí-lo vejo algumas manchas nas páginas, como se tivesse sido queimado ou rasgado por alguém.

Começo a lê-lo em silêncio, ouço alguns barulhos vindos do jardim, Becca está treinando por si própria, tiro um tempo para vê-la, sempre elegante e precisa nos movimentos, como uma dança. Tiro as atenções para me voltar ao livro, não há um autor, nem mesmo uma separação de capítulos.

Mesmo assim, nada é mais interessante do que a suas páginas em si, cada uma é ilustrada, sem muitas palavras, na verdade sem palavras que eu possa entender, apenas linhas, setas e semicírculos. As ilustrações também me interessam, diversos círculos sobrepostos entre sí, em suas pontas outras formas circulares, as vezes não contínuas.

Meu pai não parece se interessar em nada além de suas cartas e outros afazeres, então decido que irei levar o livro para meu quarto, afinal alguns homens parecem querer entrar no escritório a procura dele.

"Marthin, temos companhia agora, por favor retorne ao seu quarto"

"Claro, lorde duque" digo enquanto faço uma reverência, levo o livro por debaixo do braço.

Diante de visitas não sou permitido falar de forma casual com meu pai, nem ele comigo, assim o chamo de lorde duque e ele a mim pelo primeiro nome. Afinal um bastardo não é ninguém aos olhos da nobreza.

Retorno ao quarto observando pelo canto do olho os dois homens que adentraram a biblioteca. Pessoas comuns, trajados com roupas finas de linho e algodão, não avisto símbolos de qual casa representam, apenas que parecem ser respeitados senhores do reino. Um deles, com cabelos grisalhos me observa com desprezo, todos estes senhores fazem o mesmo, então nem mesmo me importo com o gesto, apenas continuo no meu caminho.

Antes de entrar em meu quarto aproveito para pegar algo para comer, uma das empregadas me traz uma taça com água e um pouco de pão de cevada, eu agradeço sua ajuda e entro em meu quarto.

Tudo estava bem organizado como sempre, um enorme guarda-roupa no canto para mim, uma pequena cama próxima a janela. O quarto em si não é muito grande, mas é o suficiente, o que mais posso pedir, um lugar para dormir, se trocar e ler.

Coloquei o livro sobre a minha mesa, o sol estava se pondo, então protamente peguei um pouco de óleo para a lamparina, a acendi facilmente com um pouco de carvão que uso para escrever, tranquei a porta para não ser perturbado e me sentei.

O livro estava repleto das imagens, cada uma diferente em parte, não sei quanto tempo se passou mas a noite já estava bem avançada quando folheei a última página.

Não havia em nenhum lugar o nome de seu autor, ou para o que serve, então voltei a olhá-lo com mais calma, dessa vez tentando observar se perdi alguma coisa, nada também, me senti frustrado com isso.

Como pode haver algo tão inusitado e peculiar como este livro, a cada momento que abria e fechava o livro eu pensava que estava louco. Realmente há algo estranho com ele, então procurei tentar entender da minha maneira.

Peguei na gaveta da mesa um pedaço de papel, e o carvão, então as próximas horas comecei a replicar os círculos, eles pareciam não ter padrão. Não havia sequer instruções, ou então havia, mas não em uma língua legível para mim, enfim continuei pelo processo até ouvir uma batida em minha porta.

Uma voz feminina e calma veio me comprimentar no meio da noite, Becca, consegui reconhcer apenas pela leveza e formalidae com o qual estava falando, além de ser a única que vinha me visitar no quarto.

"Posso entrar?" ela perguntou abrindo lentamente a porta.

"Claro, não estou ocupado com nada relevante no momento"

"Bom, como está se sentindo?"

"Bem na verdade, porqie a pergunta"

"Vamos, não precisa manter essa face de confiança, sei que está desapontado com seu avanço no treinamento" ela acertou em cheio na minha ferida, eu queria me distrair desse assunto, mas aparentemente estava claro meu sentimento com ele.

"Eu só não quero falar muito disso, estou afastando da minha cabeça por enquanto, afinal amanhã será mais um dia como todos os outros"

"Não fique assim Marthin, se isso é por causa de Thomas, ele era pior que você na mesma idade"

"Não é apenas ele, é tudo, nossa família foi criada dessa forma, todos sabem utilizar a espada, e mesmo o Thomas sendo pior, ainda sim é um especialista, eu não passo de um fracasso" disse desapontado, afundei meu rosto de leve sobre minha mesa, desviando os olhares de minha meia-irmã.

Becca apenas se aproximou de mim, colocando seus braços ao redor de meus ombros em um abraço. Senti sua afeição, algo normal entre irmãos, nada mais do que uma boa amizade, eu levantei um pouco o rosto, olhando para a janela e a cidade iluminada por milhares de lamparinas.

"Lembre-se de manter a cabeça firme, não deixe que vençam" ela me disse olhando também para o horizonte.

"..."

"E mais, conversei com Durin, talvez mudar o estilo da lâmina, você é alto mas esguio, talvez só esteja lutando de forma errada para seu corpo"

"Bom talvez seja isso"

"Então amanhã, tente focar na mudança..... o que é isso aí?"

"São apenas alguns rabiscos" eu disse apontando para os círculos no papel.

"Interessante o que são?" perguntou interessada

"Apenas algo que vi neste livro que achei no escritório do duque"

"Ahm, bem, nosso pai realmente possui uma coleção inusitada, mas não esperava uma coisa dessas"

"O que é?" perguntei curioso, Becca estava com um olhar de conhcer tal livro.

"Um grimório, usados para aprender magia, geralmente são difícies de dicernir as formas, eu mesma nunca entendi, por mais que estude"

Realmente, Becca e os outros aprenderam desde pequeno sobre grimórios e artes mágicas, apesar de nunca de fato conseguirem produzir algo poderoso, não como outros magos que já vimos pela cidade.

"Mas você conseguiu reproduzir com exatidão, será que.... Marthin levante-se"

"Espera o que?" disse surpreso

"Apenas faça"

E assim fiz, fiquei de pé enquanto Becca segurava o pedoaço de papel a minha frente, ela me entregou o desenho e ficou atrás de mim com as mãos sobre meus ombros.

"Vamos tentar algo, feche os olhos"

"Tem certeza?"

"Confie em mim"

Assim eu fiz, fechei os olhos enquanto ela dizia algo para mim, 'concentre-se e relaxe' eu fiz, 'agora imagine uma luz em seu corpo, iluminando você por dentro', assim que comecei a imaginar senti algo em mim.

Uma correnteza, como se água fluisse por dentro, não igual o sangue em minhas veias, algo mais frio?, não é essa sensação, é denso, uma força que não vejo, então comecei a ver algo que não parecia estar ali.

Pequenas esferas luminosas brilhavam a meu redor, senti meu corpo arrepiar como antes, quando eu avistei aquela maga, o que será isso agora. Quente e acolhedor, quanto mais eu sentia, mais desejava, é eletrizante, então ela passou.

Abri meus olhos, mas não estava mais no quarto, mas embaixo d'água, conseguia respirar mas não mover, conseguia enxergar mas não tocar nas esferas luminosas.

Me senti empurrado cada vez mais fundo, até atingir o solo, mas não senti a areia, nem mesmo a água ao redor, nem mesmo frio, agora eu sentia calor, pedras me encobriam por todos os lados, então fui jogado para longe.

Agora me deparando com grandes olhos azuis, ele me observava, ainda não me movia, mas ele sim, me analisava da cabeça aos pés, parecia me julgar, então uma grossa voz começou a falar.

Suas palavras soaram como grunhidos, não possíveis de interpretar, mas era suficiente para tremer todo o meu arredor, então eu consegui ver as formas que havia desenhado, os círculos pareciam se desmontar como um quebra-cabeça, a forma ainda estranha mas agora mais perceptível.

Involuntariamente minhas mãos se moveram para frente, paralelas entre si, de repente entrei em um vazio, tudo ao meu redor apagado, apenas eu naquele momento, minha respiração ofegante.

Um calor começou a subir por minhas pernas até os braços esticados, as esferas luminosas agora se juntavam a minha frente como uma grande bola, então senti a energia sair de mim e empurrar aquele emaranhado para frente e eu acordei com um enorme estrondo.

Ao finalmente abrir meus olhos, minha irmã estava ao meu lado com um sorriso surpreso no rosto, ouvi passo rápidos vindos do corredor, minha porta sendo aberta em um único movimento rápido, e a minha frente um buraco na parede, meus dedos molhados assim como o chão.

"Marthin, acho que você acabou de fazer magia"

"O que?" disse espantado, atrás de mim estavam as empregadas e a duquesa, um pequeno sorriso se abriu em mim e assim realizei meu primeiro feitiço e destroí a primeira de muitas paredes literalmente.

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